Vida Monástica Contemplativa

Vida Monástica Contemplativa
"A Alegria da Consagração Monástica e Contemplativa" (tema)

sexta-feira, 26 de maio de 2017

EXPECTATIVAS E FRUTOS DO ANO DA VIDA CONSAGRADA

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                João Braz Card.de Aviz
Introdução
Estou muito feliz de estar em Aparecida, casa de nossa Mãe e de nosso modelo de vida consagrada. Ela é a Mãe de Deus e mãe da Igreja. Ela é a nossa mãe; mãe de Jesus Cristo e mãe dos pobres e excluídos; mãe de cada monge e de cada contemplativo e contemplativa.
Saúdo com afeto cada um e cada uma de vocês que vieram numerosos para este encontro. Abraço com carinho o novo Arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, meu irmão e amigo desde seminarista e ao longo destes anos no ministério sacerdotal e episcopal. Agradeço de modo muito especial a Irmã Maria Inês, presidente da CRB, juntamente com toda sua equipe de vida e de trabalho. Abraço com gratidão Dom Jaime Spengler que, em nome da CNBB, acompanha com grande paixão a vida consagrada no Brasil.
Nestes dias tenho procurado ajudar a construir com vocês este II Encontro Nacional. Hoje, particularmente, espero poder oferecer nossa experiência vivida perto do Papa Francisco na CIVCSVA em Roma. Somos 40 pessoas (leigos, virgens consagradas, membros de Institutos Seculares, religiosas, religiosos e monges).
Hoje Tomamos maior consciência de que o dicastério para a vida consagrada é um serviço privilegiado junto ao Santo Padre para quase um milhão de pessoas no mundo inteiro, e, por isso, sendo voz do Papa Francisco para muitas coisas que se referem à vida dos consagrados e das consagradas, estamos passando por um processo de conversão para nos tornarmos uma estrutura da Igreja sempre mais a serviço de todos eles.
Entre nós em Roma cresceu o espírito de colaboração entre biblistas, canonistas, arquivistas, pessoal do protocolo, ecônomo, comunicadores, porteiros, servidores da limpeza, cardeal prefeito e arcebispo secretário, outros superiores, homens e mulheres, tradutores e bibliotecário. Passamos a sorrir mais, a nos interessar com mais amor pelos papéis que vocês nos mandam, tomando consciência maior que por detrás de cada um deles há uma pessoa e uma história de sofrimento, de alegria, de busca de fidelidade para com Deus e os irmãos.
Trago uma saudação de todos eles, de modo especial de Dom José Rodrigues Carballo, Arcebispo Secretário do nosso dicastério, meu irmão e colaborador precioso e, em tantos momentos, confidente na comunhão fraterna.

Vivemos um ano dedicado à vida consagrada (2015), por decisão muito acertada e oportuna do Papa Francisco. Ele mesmo, no ano seguinte, (2016), nos convocou para viver o ano da misericórdia, cujos efeitos significativos para a Igreja e para cada um pessoalmente nós já estamos experimentando.
Estes dois anos agora nos oferecem a ocasião para tomar consciência do caminho que percorremos e para inserirnos de modo mais comprometido nas grandes linhas da vida da Igreja hoje, que tem como fundamento o evangelho, o Concílio Vaticano II e o magistério indispensável de Pedro que ama mais de perto o Senhor e recebeu dele a missão de confirmar os irmãos. Somos particularmente gratos ao Papa Francisco, Pedro para nós hoje, religioso como nós, e tão próximo da vida consagrada nestes quatro anos de seu pastoreio.
Vale a pena procurarmos juntos fazer um balanço, ao menos aproximativo, do caminho da vida consagrada neste nosso tempo de mudanças tão acentuadas e de novas exigências tão desafiadoras.
Ao mesmo tempo precisamos identificar algumas perspectivas novas que estão emergindo das crises que vivemos e da consciência nova que, nos parece, o Espírito Santo está fazendo desabrochar em nossos carismas históricos e nas novas formas de vida consagrada que Ele está despertando.
A Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica (CIVCSVA) recolheu em um pequeno volume[1] as orientações vindas à tona na Assembléia Plenária do Dicastério no mês de novembro de 2014 e na reflexão e experiência vividas durante o ano da vida consagrada.
Partindo do “logion” de Jesus: “ninguém põe vinho novo em odres velhos, senão, o vinho arrebenta os odres, e perdem-se o vinho e os odres. Mas, vinho novo em odres novos!” (Mc 2,22), nós procuramos recolher os grandes horizontes abertos pelo Concílio Vaticano II.
Além disso, procuramos tomar consciência dos desafios que ainda estão abertos e que nós identificamos na necessidade de aprofundar a vocação e a identidade da vida consagrada; as novas opções formativas, com atenção maior à dimensão de tudo aquilo que é humano, isto é, nossos modelos relacionais, a necessária reciprocidade e complementariedade entre o homem e a mulher, e o serviço da autoridade.
Após este nosso olhar aos desafios, nos perguntamos: como procurar e identificar os odres novos? Certamente buscando a fidelidade ao Espírito; identificando modelos formativos que correspondam às novas necessidades; cuidando da formação dos formadores; caminhando na direção de uma relacionalidade evangélica que se manifesta na reciprocidade no amor, nos processos multiculturais, no serviço da autoridade (em relação a esses mesmos modelos relacionais, às estruturas dos Conselhos de governo e dos Capítulos nos vários níveis).

1.     A Renovação Pós-conciliar
Passaram-se mais de 50 anos do Concílio Vaticano II. O Papa Francisco, religioso como nós, nestes quatro anos de seu pontificado, lançou palavras e gestos que contém um forte estímulo para que nós levemos em frente a reforma proposta pelo Concilio para a vida consagrada, tendo presente as exigências de hoje como solicita o próprio Concílio[2].
As bases teológicas e eclesiológicas para esta reforma foram colocadas em ato pelos padres conciliares na Constituição Dogmática Lumen Gentium, em seu capítulo VI, nn.43-47. Trata-se do ajornamento espiritual, eclesial, carismático e institucional da vida consagrada na Igreja.
De fato, o Concílio gerou impulsos e métodos de grande eficácia para o ajornamento. Podemos afirmar que ele gerou uma compreensão renovada da vida consagrada. Antes do Concílio suas manifestações e estruturas mostravam-na como “força compacta e operativa para a vida e a missão de uma Igreja militante que se percebia em contínua oposição ao mundo. Neste novo tempo de abertura e de diálogo com o mundo, a vida consacrata se posicionou em primeira linha na busca de coordenadas para uma nova relação Igreja-mundo ... Nesta linha do diálogo e do acolhimento ela abraçou generosamente os riscos da nova aventura de abertura, de escuta e de serviço, mesmo que não o tenha feito sempre”[3].
Neste novo clima, os carismas e o patrimônio espiritual da vida consagrada foram colocados com confiança à disposição desta nova relação Igreja-mundo, mas, ao mesmo tempo, ela obrigou correr o risco dos novos caminhos[4].
Neste período pós-conciliar foram reelaborados os textos normativos e as formas institucionais, para uma adequação ao novo Código de Direito Canônico (1983). “Cada família religiosa dedicou-se com grande empenho na releitura e na interpretação da “inspiração primitiva dos Institutos”(PC 2). Este trabalho tinha principalmente dois objetivos: proteger fielmente “a mente e os objetivos dos fundadores (CIC, c. 578) e “repropor corajosamente o espírito de iniciativa, a criatividade e a santidade dos fundadores e fundadoras, como reposta aos sinais dos tempos visíveis no mundo de hoje (VC 37)”[5].
Foram colocados em ato com muita responsabilidade e com muita fé, nesse período, novos itinerários formativos, uma adequação das estruturas de governo e de gestão do patrimônio econômico e das atividades. Os Papas que se sucederam sustentaram generosamente com seu magistério o camiho da vida consagrada, ajudando “a consolidar as novas convicções, a discernir novos percursos,a orientar com sabedoria e sentido eclesial as novas escolhas de presença e de serviço, em constante escuta dos apêlos do Espírito”[6].
De modo muito especial a Exortação Apostólica Pós Sinodal Vita Consecrata (1996), com a contemplação e a referência fontal ao mistério da Santíssima Trindade, ilumina o sentido da consagração, entendendo-a como confissão da Santíssima Trindade “também no seu consolidar-se com o desafio da vida fraterna “em virtude da qual as pessoas consagradas se esforçam em viver em Cristo com um só coração e uma só alma (At 4,32)” (VC 21 § 6)”[7].
Agora o Papa Francisco pediu para a CIVCSVA e para a Congregação para os Bispos que preparem a revisão do documento “Mutuae Relationes”[8] (Relações Mútuas) à luz da eclesiologia e espiritualidade de comunhão e dos dois princípios co-essenciais da Igreja, isto é, hierarquia e carismas.
Enquanto os trabalhos progrediam a Congregação para a Doutrina da Fé publicou o documento “Iuvenescit Ecclesia”, Carta sobre a relação entre dons hierárquicos e carismáticos para a vida e a missão da Igreja (15 de maio de 2016). Isto foi providencial porque a carta apresenta um aprofundamento lúcido desta realidade com seu fundamento cristológico-trinitário. Desta forma, o novo texto de “Mutuae Relationes”, que está na fase de sua redação final para ser apresentada ao Papa Francisco, foi providencialmente enriquecido.
Nesse momento a experiência vivida no ano da vida consagrada e no ano do jubileu da misericórdia nos impelem a abrir novos caminhos.
Somos interpelados pela atual evolução, econômica, política, científica e tecnológica. Setores que anteriormente eram assumidos pelos vários carismas da vida consagrada agora são responsabilidade do Estado.
Além disso, o novo contexto em que vive a vida consagrada hoje, apresenta novas e inéditas emergências feitas de multiplicação do voluntariado, de novas pobrezas, da abertura para as novas fronteiras da missão, da fundação de novas Igrejas. E ainda: passamos das situações de monocultura para os desafios da multi-culturalidade, com comunidades interacionais, presentes em contextos desconhecidos ou multi-religiosos, inseridos em situações difíceis e com o risco de várias formas de violência. Enfim, em muitos casos, entraram em crise os esquemas tradicionais de formação.
Estas novidades são percebidas como riqueza, mas trazem consigo tensões,  geram uma sensação difusa de cansaço e despertam a tentação de se satisfazer com estratégias de sobrevivência.
Sempre mais entendemos que sòzinhos não seremos capazes de realizar esta passagem necessária no nosso tempo[9].

2.     Desafios que permanecem abertos

Partimos de uma constatação bastante evidente: “Todo sistema estabilizado tende a resistir  à mudança e se aplica em sustentar sua posição, às vezes ocultando suas incoerências; outras vezes aceitando ofuscar o antigo e o novo; ou ainda negando a realidade e as tensões em nome de uma concórdia fictícia; ou, até dissimulando as próprias finalidades com ajustes superficiais. Infelizmente não faltam comportamentos onde se percebe a adesão puramente formal, mas sem a devida adesão do coração”[10].
Em nosso momento atual na CIVCSVA constatamos um elevado número de abandonos da vida consagrada (só no ano passado foram mais ou menos 2.200). Eles acontecem em todas as idades: depois do iter formativo, depois de vários anos de caminho, na idade avançada, em todos os contextos geográficos e culturais. Por isso temos necessidade de perguntar: quais são as causas deste fenômeno?
Sabemos que não se trata apenas de crises afetivas. Estão presentes também desilusões devidas a uma vida em comunidade sem autenticidade. Muitas vezes os valores que são propostos na formação inicial ou permanente não correspondem ao modo concreto de viver. Outras vezes o número de atividades é excessivo e não permite uma vida espiritual sólida. Outras vezes os consagrados e as consagradas mais jovens são isolados em comunidades prevalentemente de anciãos. Mesmo notando em muitos jovens uma disponibilidade para os valores transcendentes e uma capacidade de apaixonar-se pelos valores do Evangelho, o impacto com uma vida consagrada muito estruturada os bloqueia. Estas várias circunstâncias acabam por impedir que a vida consagrada chegue a tocar o coração e a transformá-lo.
Mais ainda: em alguns Institutos e Sociedades de Vida Apostólica a integração entre culturas diferentes tornou-se um problema: de um lado há comunidades com poucos membros de idade e um grande grupo de jovens provenientes de várias culturas e que se sentem marginalizados e com funções subalternas. Por isso “torna-se sempre mais evidente que a coisa mais importante não é a conservação das formas, mas a disponibilidade para repensar a vida consagrada como continuidade criativa e como memória evangélica de um estado permanente de conversão, do qual então brotam intuições e escolhas concretas”[11].
No contexto da necessária renovação da experiência da autoridade e da obediência, no meio da crise atual em vários Institutos, podemos dizer: “Não é por acaso que entre os principais motivos dos abandonos podemos evidenciar, segundo a experiência da CIVCSVA, o enfraquecimento da visão de fé, os conflitos na vida fraterna e a vida fraterna fraca em humanidade”[12].
Um campo ainda em que os desafios atuais estão particularmente abertos é o campo das escolhas formativas. O empenho concreto dos Institutos e das Conferências dos Superiores Maiores (nacionais e internacionais) é notável. Não obstante isso uma das dificuldades mais significativas que permanecem ainda é “a escassa integração entre a visão teológica e a visão antropológica no entendimento da formação, do modelo formativo e da pedagogia educativa ... (que) não permite o interagir e o dialogar entre elas, os dois componentes essenciais e indispensáveis de um caminho de crescimento: a dimensão espiritual e a dimensão humana”[13].
Os formadores e as formadoras precisam possuir uma sensibilidade para perceber os valores das várias culturas, para a cultura das novas gerações e para os vários contextos de vida. É aqui que eles precisam estar atentos ao discernimento das motivações vocacionais presentes nas várias áreas culturais e continentais.
Em muitos Institutos sobretudo femininos as urgências das obras prevalecem sobre o caminho formativo sistemático e orgânico. Além disso, muitas vezes se cria um desiquilíbrio entre a formação teológica e a formação profissional de tal modo que a formação para o discipulato e para a vida consagrada são praticamente deixados de lado.
Entre os doze pontos de discernimento e de revisão dispositiva da nova Constituição Apostólica do Papa Francisco sobre a vida contemplativa feminina de 29 de junho de 2016 está colocado em primeiro lugar o tema da formação: “A formação da pessoa consagrada é um itinerário que deve levar à configuração com o Senhor Jesus e à assimilação dos seus sentimentos na sua oblação total ao Pai; trata-se de um processo que nunca termina e cujo objetivo é atingir em profundidade a pessoa inteira, de modo que cada atitude e gesto revele a plena e jubilosa pertença a Cristo e, por isso, requer a contínua conversão a Deus. Tal itinerário visa formar o coração, a mente e a vida, facilitando a integração das dimensões humana, cultural, espiritual e pastoral (VC 65). Em particular, a formação da pessoa consagrada contemplativa tende a uma harmoniosa condição de comunhão com Deus e com as irmãs, dentro de um clima de silêncio protegido pela clausura diária”[14].
Vale a pena lembrar aqui ainda com relação à formação o n.14, §2, da mesma Constituição: “A formação, sobretudo a permanente que é uma “exigência intrínseca à consagração religiosa” (VC 69), tem o seu humus na comunidade e na vida diária. Por este motivo, lembrem-se as irmãs de que o lugar ordinário onde tem lugar o percurso formativo é o mosteiro e que a vida fraterna em comunidade deve, em todas as suas manifestações, favorecer tal percurso”[15].
A esse respeito sabemos que “é na fraternidade que se aprende a acolher os outros como dom de Deus, aceitando as características positivas e, ao mesmo tempo, a diversidade e as limitações. É na fraternidade que se aprende a condividir os dons recebidos para a edificação de todos. É na fraternidade que se aprende a dimensão missionária da consagração (cf VC 67)”[16]
Com relação aos formadores e formadoras é preciso continuar a cuidar de sua formação. Em vários casos ela é insuficiente. Uma outra realidade é que geralmente os formadores são em número insuficiente. A formação dos formadores no momento é um dos desafios mais importantes. Como garantir uma pedagogia pessoal, isto é, uma personalização da formação, na qual, no período inicial, o formador caminha cada dia ao lado do discípulo na confiança e na esperança, sobretudo como pessoa preparada no caminho da busca de Deus?
No que se refere à formação permanente ou formação contínua, ela precisa ainda se tornar uma verdadeira cultura, na qual a exposição de conceitos teóricos e a capacidade de revisão e controle da experiência de vida concreta na comunidade, precisam caminhar juntas. Neste sentido aqui cabe também uma iniciação criteriosa a arte de governar, afim de superar improvisações ou um exercício da autoridade impróprio e lacunoso.
Insistindo ainda na dimensão humana da formação, um dos desafios particularmente importante para a vida consagrada é o da reciprocidade de relação entre homem e mulher. “Nos modelos de vida, nas estruturas de organização e de governo, na linguagem e no imaginário coletivo, somos herdeiros de uma mentalidade que colocava em evidência as profundas diferenças entre o homem e a mulher, em prejuízo da sua igual dignidade. Mesmo na Igreja, e não somente na sociedade, muitos preconceitos unilaterais impediam reconhecer os dotes do verdadeiro gênio feminino (cf VC 58) e a contribuição original das mulheres. Este tipo de desvalorização atingiu, de modo especial, as mulheres consagradas, mantidas às margens da vida, da pastoral e da missão da Igreja (cf VC 57)”[17].
Este cenário começou a mudar a partir do Concílio Vaticano II, mas “não se conseguiu ainda uma síntese equilibrada e uma depuração dos esquemas e modelos herdados do passado. Persistem ainda obstáculos nas estruturas e se mantém não pouca desconfiança quando se dá a ocasião de proporcionar às mulheres “espaços de participação em muitos setores e a todos os níveis, mesmo nos processos de elaboração das decisões, sobretudo naquilo que a elas se refere” (VC 58) na Igreja e na gestão concreta da vida consagrada”[18].

Em nossos ambientes de vida consagrada falta ainda um amadurecimento na reciprocidade entre homem e mulher, que é necessária particularmente em nosso tempo. A distância provocada até por ambíguas motivações de tipo ascético-espiritual, provocou um empobrecimento recíproco e a perda de sensibilidade com relação a visão diferente do outro. Um reflexo disso na vida consagrada aparece na sensibilidade diferente entre jovens e velhos: “Podemos falar de uma dissonância cognitiva que existe entre religiosos idosos e religiosos jovens. Para os idosos as relações com o feminino e o masculino se revestem de muita reserva e até de medo. Para os jovens, ao invés, essas mesmas relações são de abertura, espontaneidade e naturalidade”[19].
Temos ainda que assinalar “a fraqueza que se nota ad intra dos Institutos, com relação a tal processo antropológico-cultural de verdadeira integração e complementariedade recíproca com o elemento e a sensibilidade feminina e masculina. São João Paulo II reconheceu como legítimo o desejo das mulheres consagradas de ter “espaços de participação em vários setores e a todos os níveis (VC 58)”. De fato, porém, na prática estamos longe disso. O risco que se prova é o de empobrecer gravemente a própria Igreja, como afirmou o Papa Francisco: “Não diminuamos o compromisso das mulheres na Igreja, ao contrário, promovamos seu papel ativo na comunidade eclesial. Se a Igreja perder as mulheres em sua dimensão total e real, a Igreja arrisca a esterelidade” (Discurso ao episcopado brasileiro, Rio, 27.07.2013)”[20].
Um outro desafio ainda aberto refere-se ao serviço da autoridade. Mesmo em nossos dias percebemos em várias comunidades de vida consagrada “a tendência a uma concentração vertical no exercício da autoridade, quer em nível local, como nos níveis mais altos, passando por cima da necessária subsidiaridade. Em alguns casos poderia até parecer suspeita a insistência de alguns superiores sobre o caráter pessoal de sua autoridade, e isto até quase vanificar a colaboração dos Conselhos, tão convencidos eles estão de responder (automaticamente) à própria consciência. Esta é a causa da fraca e até ineficaz corresponsabilidade na práxis de governo, ou ainda, na ausência de delegações convenientes. Com toda certeza o governo não pode concentrar-se nas mãos de um só, desviando-se assim das proibições canônicas (cf CIC, cânon 636). Mais ainda: em vários Institutos existem superiores e superioras que não levam em conta as decisões capitulares”[21]. Maiorias pré-constituídas, uso da lógica dos posicionamentos para resolver questões graves, estes são comportamentos de governo que estão fora de qualquer lógica evangélica.
Mais ainda: superiores e superioras que se fossilizam no poder, em alguns casos até o ponto de mudar as Constituições, fazem um grande mal aos seus carismas e neutralizam o crescimento de tantos outros irmãos e irmãs que poderiam ajudar muito mais a comunidade a crescer. Hoje a conversão de muitos superiores e superioras é indispensável para que possam ajudar de verdade a discernir a vontade de Deus. Em alguns casos ainda mais extremos há superiores e superioras que queimam o amadurecimento de toda uma geração de consagrados, construindo relações doentias de dependência e de verdadeira escravidão. Em Roma, na CIVCSVA temos que intervir frequentemente para sanar estas situações[22].
Como orientação necessária para o bom exercício da autoridade “é preciso ter presente que a verdadeira obediência não pode deixar de colocar no primeiro lugar a obediência a Deus, quer por parte da autoridade, como por parte daquele que obedece. Da mesma forma não pode não se referir à obediência de Jesus. Esta obediência inclui o seu grito de amor Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? (Mt 27,36) e o silêncio de amor do Pai”[23].
Por último, entre os desafios abertos na vida consagrada hoje precisamos dizer uma palavra sobre a gestão dos bens eclesiásticos dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica na Igreja.
O Papa Francisco chamou a atenção dos consagrados e das consagradas a respeito da posse e administração dos bens eclesiásticos. Como resposta inicial a CIVCSVA realizou em Roma, nos últimos anos, dois Simpósios com a finalidade de aperfeiçoar e atualizar o cuidado dos bens em posse da vida consagrada no mundo. Isto é necessário particularmente hoje, quando a diminuição do número dos consagrados e consagradas torna muitas estruturas úteis no passado, vazias e onerosas em sua manutenção, criando a necessidade de vendas, aluguéis ou comodatos.
O número dos participantes nos dois momentos nos surpreendeu e nos permitiu medir o  grande interesse que se verificou a respeito do tema. Do primeiro Simpósio, o de 2014, foi publicado grande parte do conteúdo[24]. Estamos finalizando as conclusões dos dois para poder apresentar ao Papa Francisco.
A esse respeito ainda, mais amadurecidos depois do percurso vivido durante o ano da vida consagrada, podemos afirmar: “Na sua longa história, a vida consagrada foi capaz de opor-se profeticamente cada vez que o poder econômico arriscou humilhar pessoas e, sobretudo, os mais pobres. Na atual situação global de crise financeira, para a qual o Papa Francisco chama continuamente a nossa atenção, os consagrados são chamados a ser verdadeiramente fiéis e criativos para não comprometer a profecia da vida em comum no interior, e da solidariedade no exterior, especialmente com relação aos pobres e aos mais fracos.
Passamos de uma economia doméstica para processos administrativos e gestionais que quase escapam ao nosso controle, que evidenciam a nossa precariedade e, ainda, antes disso, o nosso despreparo. Não podemos mais demorar em nos recentrar na transparência em matéria econômica e financeira, como primeiro passo para recuperar o autêntico sentido evangélico da comunhão real dos bens no interior de nosssas comunidades, e de sua concreta condivisão com os que vivem ao nosso lado”[25].

Conclusão
Três indicações do Concílio Vaticano II estão, de modo particular, no coração da reforma da vida consagrada neste momento da história: a “sequela Christi” (o seguimento de Jesus) vivida à luz das palavras e dos gestos de Jesus com transparência e como testemunho; a volta ao núcleo central do carisma dos nossos fundadores e fundadoras, deixando cair tudo o que não é essencial; o diálogo contínuo com o homem e a mulher de nosso tempo para atualizarnos constantemente sobre suas interrogações e com eles buscarmos respostas que nascem do coração da experiência de Deus.
Um papel central neste caminho empenhativo cabe à passagem necessária de uma espiritualidade quase exclusivamente individual a uma espiritualidade de comunhão, vivida com intensa generosidade e com convicção em todas as direções das nossas relações interpessoais e estruturais.
Obrigado pela escuta.

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[1] CIVCSVA, Para Vinho Novo, Odres Novos. A Vida Consagrada e os Desafios ainda Abertos desde o Concílio Vaticano II. Orientações, LEV 2017. As citações que faço são da edição italiana, com minha tradução.
[2] Cf. Decreto “Perfectae caritatis”,1.
[3] CIVCSVA, Para Vinho Novo, Odres Novos, cit. pp.18s.
[4] Cf Idem, p.19.
[5] Idem, p.20.
[6] Ibidem.
[7] Idem p.22.
[8] CB e CIVCSVA, Critérios Diretivos Para As Relações Mútuas Entre Os Bispos E Os Religiosos Na Igreja, Cidade do Vaticano 1978.
[9] Cf Para Vinho Novo, Odres Novos, cit. Pp.23-31.
[10] Idem, pp.33s.
[11] Idem p.37.
[12] Idem, p. 56.
[13] Idem, p.37s.
[14] FRANCISCO, Vultum Dei Quaerere (Buscar o Rosto de Deus), Constituição Apostólica sobre a vida contemplativa feminina, Tipografia Vaticana, 2016, n.13.
[15] Idem.
[16] CIVCSVA, Para Vinho Novo, Odres Novos, cit.p.41.
[17] Idem, p.43.
[18] Idem, p.45.
[19] Idem, p.46.
[20] Idem, p.47.
[21] Idem, p.47s.
[22] Cf idem, pp.50-52.
[23] Idem p.55.
[24] CIVCSVA, Sequela Christi, La gestione dei beni ecclesiastici degli Istituti di vita consacrata nella Chiesa, 2014/01, Studi e commenti, pp.89-148.
[25] Para Vinho Novo, Odres Novos, cit. pp.58s.