Vídeo com os principais momentos do II Encontro Nacional da Vida Monástica e Contemplativa, realizado pela equipe do evento.
II Encontro Nacional da Vida Monástica e Contemplativa
Vida Monástica Contemplativa
segunda-feira, 17 de julho de 2017
sexta-feira, 7 de julho de 2017
ENTRE VOCÊS NÃO PODE SER ASSIM: O EXERCÍCIO DA AUTORIDADE NA VIDA RELIGIOSA CONTEMPLATIVA COMO SINAL PROFÉTICO PARA O MUNDO
ENTRE VOCÊS NÃO PODE SER ASSIM:
O EXERCÍCIO DA AUTORIDADE NA VIDA
RELIGIOSA CONTEMPLATIVA
COMO SINAL PROFÉTICO PARA O MUNDO
+Edmilson Amador Caetano, O.Cist.
Bispo diocesano de Guarulhos
Foi-me pedido
refletir com vocês um tema aparentemente simples, mas de difícil exposição.
Demorei para conseguir um itinerário. Proponho-me partir de Jesus Cristo, da
Palavra de Deus, passando por certas circunstâncias que marcam nosso tempo e
tentando chegar a algumas pistas. Esta é uma metodologia análoga ao Documento
de Aparecida (produzido há 10 anos nesta sala onde nos encontramos) e tem sido
utilizada nas duas última edições das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora
no Brasil, da CNBB.
PARTINDO DE CRISTO
Posto que o
título que me foi dado para esta reflexão sugere o evangelho de Mateus
20,24-27, comecemos daí: “Ouvindo isso,
os dez ficaram indignados com os dois irmãos. Mas Jesus, chamando-os disse:
‘Sabeis que os governadores das nações as dominam e os grandes as tiranizam.
Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se
grande entre vós seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro dentre
vós, seja o vosso servo. Desse modo, o Filho do Homem não veio para ser
servido, mas para servir e dar sua vida como resgate por muitos.”.
Temos também o
trecho paralelo de Marcos 10, 41-45: “Ouvindo
isso, os dez começaram a se indignar-se contra Tiago e João. Chamando-os Jesus
lhes disse: “Sabeis que aqueles que vemos governar as nações as dominam, e os
seus grandes as tiranizam. Entre vós não será assim: ao contrário, aquele que
dentre vós quiser ser grande, seja o vosso servidor, e aquele que quiser ser o
primeiro dentre vós, seja o servo de todos. Pois o Filho do Homem não veio para
ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos.”
Que
confusão cria a mãe dos filhos de Zebedeu! No entanto, revela o que está arraigado no coração humano: querer
dominar o outro. Ser “deus” da vida do outro. Este espírito de competição e
disputa está presente quando pensamos em quem deve exercer a autoridade. Temos
que ser coerentes e reconhecer o que tantas vezes acontece na Igreja e no seio
de nossas comunidades quando, por exemplo, temos eleições. Quantas vezes aflora
a mesquinhez humana!
O vocábulo
“autoridade” (exousía) podemos interpretá-lo de uma maneira simples: ex (a
partir de) ousía (essência, substância). Jesus, tantas vezes, se diz no
evangelho, fala com autoridade, não como os escribas e fariseus. Jesus fala a
partir da sua essência. Jesus fala com palavras humanas; age de forma humana,
pois é verdadeiramente homem. Mas é também Deus. Fala e age a partir da sua
natureza divina também que é amor. Ser para o outro incondicionalmente, sem
exigências de reciprocidade. Para realizar o seu plano de amor, despojou-se de
sua glória (kênosis) e tomou a condição de servo. O servo não é o empregado que
executa ordens. O servo realiza sua tarefa de acordo com a vontade e a mente do
seu patrão. Deste modo o discípulo de Jesus exerce “autoridade” a partir da
essência do seu Senhor. Não é possível ter autoridade na Igreja, sem exercê-la,
não somente em nome de Cristo, mas “em” Cristo. Não é possível ser autoridade
na Igreja sem ter o Espírito de Jesus Cristo. Sem esta característica a
autoridade exercida é idêntica a dos escribas e fariseus.
Podemos assim
concluir aqui que o final das duas citações “dar a vida em resgate por muitos”
é o ápice da autoridade de Jesus e da nossa autoridade “em Jesus”.
Tomemos outros
dois textos:
Mc 9, 33-37: “E chegaram a Cafarnaum. Em casa, ele lhes
perguntou: ‘Sobre que discutíeis pelo caminho?’ Ficaram em silêncio, porque
pelo caminho vinham discutindo sobre qual era o maior. Então ele, sentou, chamou os doze e disse: ‘Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos
e o servo de todos.’ Depois tomou uma criança, colocou-a no meio deles e,
pegando-a nos braços, disse-lhes: Aquele que receber uma destas crianças por
causa do meu nome, a mim recebe; e aquele que me recebe, não é a mim que
recebe, mas sim àquele que me enviou.’
A figura da
criança aqui e em outros paralelos é chave de interpretação para a atitude
correta: dar importância ao que não conta. A criança exige cuidados e
trabalhos. Ela ainda não “produz”. Evidentemente não se trata de fazer da
autoridade algo improdutivo. Trata-se da necessidade para “ser autoridade”,
passar por uma conversão. Não querer impor-se. É uma conversão transformadora.
Por outro lado é também acolher o que aparentemente não conta, não traz
vantagens. Até mesmo o que não tem “conserto”.
Nestes textos
que temos ouvido, não é proibido querer, mas é reprovado o como se quer e para
que se quer.
Lc 22,24-30: “Houve também uma discussão entre eles: qual
seria o maior? Jesus lhes disse: ‘Os reis das nações as dominam, e os que as
tiranizam são chamados benfeitores. Quanto a vós, não deverá ser assim; pelo
contrário, o maior dentre vós torne-se como o mais jovem, e o que governa como
aquele que serve. Pois qual é o maior: o que está à mesa, ou aquele que serve?
Não é aquele que está à mesa? Eu, porém, estou nomeio de vós como aquele que
serve.
Vós sois os que permanecestes constantemente comigo
em minhas tentações; também eu disponho para vós o Reino, como o meu Pai o
dispôs para mim, a fim de que comais e bebais
à minha mesa em meu Reino, e vos senteis em tronos para julgar as doze
tribos de Israel.”
O que Jesus diz
aos apóstolos/discípulos nestes textos, evidentemente, é válido para todos os
cristãos. O interessante, entretanto, é que estes ditos não são dirigidos às
multidões, como ocorre em outros episódios. Estes ditos são colocados pelas
fontes evangélicas direcionados aos apóstolos. Àqueles que são as colunas da
comunidade e pastores do povo.
Emblemática
também é a conclusão da cena do lava-pés do evangelho de João, onde anteriormente o diálogo com Pedro tornou-se
revelador: “Vós me chamais Mestre e
Senhor e dizeis bem, pois eu o sou. Se, portanto, eu, o Mestre e o Senhor, vos
lavei os pés, também deveis lavar-vos os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo
para que, como eu vos fiz, também vós o façais.” (Jo 13,14-15). Pedro não aceita o modo de
Jesus ser o primeiro. No texto joanino ele fará um caminho do capítulo 13 até o
21 para realmente se converter e tornar-se como o discípulo que Jesus amava.
Pedro não aceita o gesto de Jesus depor o manto e cingir-se com uma toalha para lavar os pés dos discípulos. Na
realidade, não é que não aceite o gesto em si. Não aceita que o primeiro ( o
que exerce a autoridade sobre os demais) tenha que fazer as coisas assim. Pedro
é o primeiro do colégio apostólico. Ele tem dificuldades de aceitar que a sua
condição vicária tenha que ser exercida com este espírito. Nos sinóticos Jesus
chama Pedro de Satanás, pois não quer pensar e agir segundo Deus. É ainda pedra
de tropeço, pois quer atrapalhar a ação de Jesus. Ainda, neste grupo de
capítulos de João, Pedro usará a violência para defender Jesus, cortando a
orelha do servo do sumo sacerdote. Buscará o caminho da mentira, traindo Jesus
por três vezes. Correrá até túmulo vazio e verá as coisas como estão, diferentemente
do discípulo que Jesus amava, que viu e acreditou. A conversão de Pedro se dará
na beira do mar, após a ressurreição, na pesca milagrosa, quando ele obedece à
Palavra de Jesus e come dos pães e peixes que Jesus lhe oferecer. Nesta beira
do mar acolherá a palavra de Jesus que lhe diz que dará glória a Deus,
deixando-se cingir por outro indo para
onde não quer ir.
Como último
texto bíblico deste nosso “partir” cito um escrito paulino, talvez um dos mais
antigos do Apóstolo: “Uma vez que Deus
nos achou dignos de confiar-nos o Evangelho, falamos não para agradar aos
homens, mas, sim, a Deus, que perscruta o nosso coração. Eu não me apresentei
com adulações como sabeis; nem com secreta ganância, Deus é testemunha!
Tampouco procuramos o elogio dos homens, quer vosso, quer de outrem, ainda que
nós, na qualidade apóstolo de Cristo, pudéssemos fazer valer a nossa
autoridade. Pelo contrario, apresentamo-nos no meio de vós cheios de bondade,
como uma mãe que acaricia os filhinhos.
Tanto bem vos queríamos que desejávamos dar-vos não somente o Evangelho de
Deus, mas até a própria vida, de tanto amor que vos tínhamos. Ainda vos
lembrais, meus irmãos, dos nossos trabalhos e fadigas. Trabalhamos de noite e
dia, para não sermos pesados a nenhum de vós. Foi assim que pregamos o
Evangelho de Deus.” (1 Ts 2.4-10)
Paulo tem
consciência da sua autoridade (exousía), como algo que não vem dele, mas do
qual procura ser fiel servidor: agrada a Deus e não aos homens; procura não ser
arrogante e buscar vantagens para si; não procura fazer coisas para ter o afeto
das pessoas que lhe são confiadas. Por outro lado, o que parece rispidez é
comparado ao amor de mãe: ternura e doação total. Não há contradição em colocar
na verdade do Evangelho, ainda que possa doer ao outro, e amor verdadeiro.
MARCAS DO NOSSO TEMPO
A vida monástica
e contemplativa é chamada a ser profética nesta geração, com toda a sua
tradição e testemunho. Se autoridade é serviço e serviço se presta ao outro, é
neste momento com suas marcas e apesar delas, que se deve servir.
Quero reportar
aqui, simplesmente, alguns textos das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora
no Brasil, (DGAE) 2015-2019, da CNBB. Creio que seja importante também para a
vida monástica e contemplativa, ainda que esta vida se desenvolva, principalmente
dentro dos claustros e muros dos nossos mosteiros, com toda sua fecundidade
apostólica.
Na mesma linha
de reflexão do Documento de Aparecida, as DGAE falam de “mudança de época”. Muitas coisas enriquecedoras aparecem, sem
dúvida. Creio, no entanto, que para nossa reflexão seja de capital importância
o que marca negativamente. “Vivemos uma
época de transformações profundas. Não se trata apenas de uma ‘época de
mudanças’, mas de uma mudança de época. (...) Mudanças de época, de fato,
afetam os critérios de compreensão, os valores mais profundos, a partir dos
quais se afirmam identidades e se estabelecem ações e relações. Além disso,
constata-se o aumento progressivo do relativismo, a ausência de referências
sólidas, o excesso de informações, a superficialidade, o desejo a qualquer
custo de conforto e facilidades, a aceleração do tempo, trazendo desafios
existenciais, produzindo incertezas, precariedade, insegurança, inquietação.”
(DGAE 19.21)
Creio que neste
pouco tempo de exposição que temos, é bom salientar alguns aspectos que, penso,
atingem mais concretamente nossas comunidades monásticas e contemplativas.
·
Individualismo que traz
consigo a dificuldade da vida em comunidade. Aqui pensa-se em si em primeiro,
segundo e terceiro lugar. O egoísmo pode ser grande inimigo em nossas
comunidades.
·
Relativismo que faz o ético
e moral ser o ‘bom’ e não o ‘bem’, portanto é sempre o subjetivo que comanda. O
relativismo leva ao individualismo e vice-versa.
·
Fundamentalismo.
Ainda
que pareça contraditório com o que foi dito acima, vivemos dentro de um
fundamentalismo. Talvez a insegurança gerada por tantas características da
mudança época, o fundamentalismo, em vários aspectos, principalmente o
legalista, é visto como tábua de salvação. Muitas vezes em nossas comunidades
para resolver situações apela-se ao “sempre foi assim”, a interpretação literal
e legalista da Regra e das sadias tradições de nossas Ordens e Congregações.
Estas três
características mencionadas acima podem fazer cada um de nós refletir sobre tantas
situações que vivemos em nossas comunidades e até mesmo na acolhida dos nossos
jovens vocacionados e vocacionadas.
ATITUDES PROFÉTICAS
Esta reflexão partiu de uma citação do
evangelho de Mateus. As comunidades cristãs
que estão como pano de fundo do evangelho de Mateus, são comunidades
formadas por judeus-cristãos que experimentaram a expulsão dos ambientes
celebrativos e culturais da tradição judaica. Por outro lado, experimentaram a
destruição do templo de Jerusalém e toda opressão inclemente do Império Romano.
Neste período o judaísmo é reassumido por grande parte de escribas e fariseus
que radicalizam a separação dos pagãos e os cristãos (mesmo sendo de origem
judaica) são considerados traidores e hereges. Estas comunidades são animadas
pelos ensinamentos de Jesus a darem uma resposta como que alternativa a esta
sociedade e cultura que se impõem. Antes de ver a missão da comunidade tendo
como ponto de partida a autoridade, é preciso que a própria comunidade tenha
consciência da sua existência e missão.
O capítulo 18 do
evangelho de Mateus apresenta um retrato de atitudes importantes para a
comunidade cristã: converter-se, tornar-se como criança; ser radical no
discipulado para não escandalizar; salvar o irmão que se perde; perdoar sempre. Esta comunidade se apresenta assim, como a
comunidade do “Pai que está no céu”:
v. 10: “os seus anjos veem
constantemente a face de meu Pai que está nos céus”
v.14: “ não é da vontade do vosso Pai
que está nos céu, que um destes pequeninos se perca.’
v. 19: “será concedido por meu Pai que
está nos céus”
v. 35: “Eis como o meu Pai celeste agirá
convosco...”
O individualismo
uma das marcas da mudança de época, pode acarretar o autoritarismo/legalismo/fundamentalismo.
Esta mentalidade reflete também em nossas comunidades contemplativas ( e em
todas as comunidades cristãs). Parece difícil lidar com a diversidade. É
preferível resolver as coisas dando ordens. A Congregação para os Institutos de
vida consagrada e as sociedades de vida apostólica, publicou em 2008 uma Instrução com o título
“Faciem tuam, Domine, requiram’ sobre o
serviço da autoridade e a obediência. A
obediência é suscitada por uma espiritualidade de comunhão, não em função da
força da autoridade constituída.
Primeiramente, a
pessoa constituída em autoridade deve se revestir do espírito evangélico da
autoridade. “Embora assumir as
responsabilidades próprias da autoridade possa vir a aparecer hoje como um
fardo particularmente pesado, e requeira a humildade do fazer-se servo ou serva
dos demais, sempre é bom, todavia, recordar as palavras severas que o Senhor
Jesus dirige àqueles que sentem a tentação de revestir de prestígio mundano a
sua autoridade: ‘Quem quiser ser o primeiro entre vós, seja o vosso servo..
Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida
em resgate por muitos” (Mt 20,27-28).
Quem,
no desempenho do próprio ofício, procura um meio para destacar-se ou auto-afirmar,
para fazer-se servir ou para submeter os demais, coloca-se claramente fora do
modelo evangélico de autoridade. (...) A obediência, mesmo nas melhores
condições, não é fácil; mas se vê facilitada quando a pessoa consagrada
constata que a autoridade se coloca a serviço da fraternidade e da missão, com
humildade e empenho: uma autoridade que, apesar de todos os limites humanos,
procura representar no seu agir gestos e sentimentos do bom Pastor. (Faciem tuam, 21)
Em segundo lugar, é preciso atenção a coisas
peculiares do nosso tempo. Algo que marque presença. Tenho para comigo que um dos escritos mais proféticos
para a Igreja, como um todo, de São João Paulo II é a Carta Apostólica Novo
Millennio ineunte. Após toda a preparação para o novo milênio e a celebração do
jubileu com tantos pedidos de perdão e reconciliação, o que fazer? Como deve
ser a Igreja? Que espiritualidade buscar? A resposta foi: uma espiritualidade
de comunhão. “Fazer da Igreja a casa e a
escola da comunhão: eis o grande desafio que nos espera no milênio que começa,
se quisermos ser fiéis ao desígnio de
Deus e corresponder às expectativas mais profundas do mundo.” (NMI 43)
Sem dúvida, um sinal que distingue na Igreja e
também culturalmente a vida monástica e contemplativa das nossas comunidades é
a clausura. Seja qual for o tipo ou o “grau”. Acredito, porém, que possa soar
como heroico para uns, algo inatingível para outros e para outros tantos ainda,
um despropósito em nossos dias. Seguramente pessoas que não entendem o seu
significado e importância. Pensando,
porém, na vida contemplativa como sinal profético para o mundo, é a vida da
comunidade (comunhão, alegria, fraternidade, comunhão de bens etc) que exerce
com potência a sua missão em nossos dias. Aqui, então, é fundamental a missão
da autoridade que, além de revestir-se do espírito evangélico deve gerar a
espiritualidade de comunhão que, de modo algum deixa de ser evangélica. “O caminho de santidade converte-se assim em
percurso que toda a comunidade percorre junta; não apenas caminho de indivíduo,
mas sempre mais uma experiência comunitária: no acolhimento recíproco na
partilha dos dons sobretudo do dom do
amor, do perdão e da correção fraterna; na busca comum da vontade do Senhor,
rico de graça e de misericórdia; na disponibilidade em fazer-se cada um
responsável pelo caminho do outro.
No hodierno clima cultural, a santidade comunitária
é testemunho convincente, talvez ainda mais que a individual: ela manifesta o
perene valor da unidade, dom a nós deixado pelo Senhor Jesus. “ (Faciem tuam,
19)
Aqui a
autoridade tem que vivenciar um ministério tão especial e carismático: o da
escuta. É preciso escutar o outro para discernir a vontade de Deus. Sem dúvida,
é mais fácil dar ordens dizendo “está escrito”, “está na lei”. Determinar coisas
ouvindo os outros é mais difícil e pode dar a impressão que a autoridade
é manipulável. “O discernimento
comunitário não substitui a natureza nem a função da autoridade, a quem cabe a
decisão final; todavia, a autoridade não pode ignorar que a comunidade é o
lugar privilegiado para reconhecer e acolher a vontade de Deus(...)Deve-se
observar, finalmente, que uma comunidade não pode viver em estado permanente de
discernimento. Depois do tempo de discernimento, vem o tempo da obediência,
isto é, da execução de quanto foi decidido: em ambos os tempos, é mister que se
viva com espírito obediente.” (Faciem tuam 20).
Tanto “Faciem tuam”, como são João Paulo II ao
falarem da espiritualidade de comunhão como presença profética, não falam como
se fosse uma novidade, mas retomar uma sabedoria antiga, própria da Tradição da
Igreja: “Com tal finalidade, é preciso assumir
aquela antiga sabedoria que, sem prejudicar em nada o papel categorizado dos
pastores, procurava incentivá-los à mais ampla escuta de todo o povo de Deus. É
significativo o que São bento lembra ao abade do mosteiro: ‘É frequente o
Senhor inspirar a um mais jovem um
parecer melhor.’ (RB 3) E S. Paulino de Nola, exorta: “dependemos dos lábios de
todos os fiéis, porque, em cada fiel, sopra o Espírito de Deus.”(NMI 45). “O exercício da autoridade implica que ela
ouça de boa vontade as pessoas que o Senhor lhe confiou. São Bento insiste: ‘O
abade convoque toda a comunidade... todos sejam chamados a conselho... muitas
vezes o Senhor revela ao mais moço o que é melhor.”(RB3)(Faciem tuam, 20).
A Instrução ainda, dentro deste âmbito da espiritualidade de comunhão cita os capítulos 71 e 72 de regra beneditina, bem
como a Regra Menor de São Basílio.
O SUCESSO DA AUTORIDADE DE JESUS
Não existe
receita para o ‘sucesso’ do exercício da autoridade Jesus Cristo. Não, pelo
menos, quando pensamos em sucesso humano. Temos estradas e caminhos a
percorrer. Os resultados, muitas vezes, não os vemos. Aquilo que deve nos dar
certeza e alegria é que agimos tendo em nós os mesmos sentimentos de Jesus.
No evangelho de
João Jesus realizou muitos “sinais” que caminham num crescente para indicar que Ele recria a humanidade no
poder da sua ressurreição. O último dos ‘sinais’ é a ressurreição de Lázaro que
causa grande fama humana a Jesus, a ponto de até os gregos desejarem vê-lo.
Talvez para os discípulos tenha sido um momento de dizer: “ Agora sim, tudo vai
dar certo. Finalmente a sua autoridade foi reconhecida.” No entanto, a resposta
de Jesus a Filipe e André, não foi a esperada: “É chegada a hora em que o será glorificado o Filho do Homem. Em
verdade, em verdade, vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morrer,
permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto. Quem ama sua vida a perde
e quem odeia a sua vida neste mundo guarda-la-á para a vida eterna....Minha
alma agora está conturbada. Que direi?
Pai, salva-me desta hora? Mas foi precisamente para isso que eu vim. Pai,
glorifica o teu nome.” (Jo 12, 23-25.27-28)
A autoridade em
nossas comunidades contemplativas e monásticas será grande sinal profético para
os nossos dias, em última instância, quando depois de tudo (serviço, acolhida,
escuta, espiritualidade de comunhão), ainda restar a missão de ser o grão de
trigo que cai na terra e morre e produz frutos para a vida eterna.
quinta-feira, 29 de junho de 2017
HOMÍLIA DO EXMO. REVMO. DOM GIOVANNI D’ANIELLO, NÚNCIO APOSTÓLICO NO BRASIL
...
“Ninguém vos poderá tirar a vossa alegria!”
Caríssimas, é providencial que neste dia em que nos reunimos para louvar a Deus pela vida consagrada, especialmente por todas as irmãs que se dedicam à oração, à contemplação e ao louvor a Deus na vida de clausura, fazemos também memória a São Felipe Néri, o “santo da alegria”.
De fato, a vida na clausura não pode ser um fardo que a disciplina exige, nem um suplício suportado apenas pela obediência. Ao contrário, deve ser um espaço de alegria, onde o coração se alimenta de amor e se expande na caridade.
A vida de clausura não é também uma fuga do mundo nem uma negação da vida em sociedade. Mas, é, antes, um refúgio em Deus, um santuário de caridade e preces, um encontro mais íntimo com o Senhor. É a escolha daquela ‘melhor parte’ que não vos será tirada e que o mundo não conhece e, por isso, não entende.
É verdade, irmãs, que a clausura tem a finalidade de manter entre as religiosas um clima de recolhimento, de silêncio, de oração para uma mais perfeita busca de união mística com Deus. Contudo, e apesar desta separação física com "o mundo", sabemos que as religiosas mantêm-se intimamente unidas à humanidade e aos seus respectivos problemas, através das suas orações contínuas oferecidas como intercessão. Pensemos no exemplo de Santa Teresinha do Menino Jesus, que nunca saiu do seu convento na França, mas foi considerada como padroeira das missões.
Sim, a missão da Igreja depende mais das orações e dos joelhos dobrados diante do altar que dos nossos modernos instrumentos e técnicas de evangelização e dos nossos talentos pessoais. É justamente por isso que o Papa Francisco, por exemplo, pede continuamente que rezemos por ele.
Como é bom saber, queridas irmãs, que ainda hoje tantas almas consagradas se dedicam a esta tarefa fundamental na Igreja: a oração. Vigiar e orar ainda são as mesmas orientações que o Senhor continua nos fazendo.
Oração e alegria são o binômio através do qual o amor se expande e cativa; são, também, um verdadeiro instrumento vocacional. Quantas jovens já se deixaram seduzir e ainda hoje continuam respondendo ‘sim’ a Deus, justamente pelo testemunho e entusiasmo de vocês! Muito obrigado pelo testemunho de fé e de vida de oração que vocês nos dão, a nós e a este mundo que precisa cada vez mais de Deus.
Agora, quero dirigir-me às superioras dos Conventos, dos Mosteiros, das Casas de Formação de todas as Congregações e Institutos aqui reunidos: Caríssimas, a tarefa de dirigir uma casa religiosa, esta nobre missão que lhes foi confiada, precisa ser nutrida constantemente na fonte originária do vosso Carisma, na fidelidade àquela inspiração infundida no coração dos santos fundadores e santas fundadoras de cada Ordem, de cada Congregação.
Estimulem, sempre mais, o conhecimento, a disciplina e a prática do Carisma que o Espírito Santo infundiu no coração daqueles santos e santas. Esta é a estrada segura que vos manterá sempre unidas à comunhão da Igreja e entre si, será o princípio capaz de produzir a unidade e a riqueza que proporciona a diversidade de dons.
Lembremos, aqui, as palavras de São João Paulo II em sua Carta aos religiosos e religiosas da América Latina (1990): “A mesma generosidade e abnegação que impeliram os Fundadores devem levar-vos a vós, seus filhos espirituais, a manter vivos os seus carismas, que continuam – com a mesma força do Espírito que os suscitou – a enriquecer-se e adaptar-se, sem perder o seu caráter genuíno, para se colocarem ao serviço da Igreja e levarem à plenitude a implantação do seu Reino[2].
Cuidem, igualmente, para que a observância dos votos religiosos não seja fruto somente de uma compreensão teórica ou de uma aceitação resignada. Mas, seja expressão de amor, renúncia livre e consciente de almas que louvam a Deus em espírito de pobreza, obediência e castidade.
E a todas vós, queridas religiosas, tenham sempre presente em suas intenções aquela recordação pelos mais necessitados, pelos doentes e por todos os que padecem algum tipo de violência. Vivemos em “uma sociedade marcada pelo conflito, pela convivência difícil entre culturas diversas, pela prepotência sobre os mais fracos e por tantas desigualdades”[3].
Por isso, o vosso testemunho de oração e alegria se faz ainda mais necessário. Tenham a certeza de que as vossas preces são como um bálsamo para este mundo machucado.
Que o vosso coração se alegre, porque Deus vos escolheu como filhas preferidas e confiou a cada uma de vocês a tarefa de, através da intercessão poderosa de suas preces, irrigar este mundo com a seiva do amor divino.
E que esta missão seja cumprida sempre com aquela alegria a qual meditamos: “a alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus”.[4]
Nesta Eucaristia, Sacramento da presença do Senhor, vamos oferecer ao Pai, junto com o Pão e o vinho, as nossas alegrias e a nossa vida. Vamos ‘cantar a Deus aclamações de alegria’ por todas as graças que Ele tem concedido à Igreja através das orações das irmãs de todos os claustros. Vamos suplicar que Ele permaneça sempre conosco, apesar das tristezas, das dores e dos sofrimentos, na certeza de que, na Sua graça, o nosso coração sempre se alegrará.
Que a vossa vida continue sendo uma expressão viva da confiança na presença de Deus e na Sua Admirável Providência. Vocês, que como São Felipe Néri, preferiram o Paraíso e o amor de Deus às honras e glórias deste mundo, compreendam sempre mais que “renunciar a si mesmo, tomar a cruz a cada dia e seguir Jesus é uma verdadeira alegria”. E eu vos garanto, queridas irmãs, como disse Jesus hoje, que “ninguém vos poderá tirar a vossa alegria!”
Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
Dom Giovanni, d’Aniello
Aparecida, 26 de maio de 2017.
“Ninguém vos poderá tirar a vossa alegria!”
Caríssimas irmãs, esta frase que acabamos de ouvir do Evangelho acende no nosso coração uma esperança renovada, devolve à nossa fé uma certeza que não pode ser esquecida, deposita em nossos corações uma promessa verdadeira e que é a fonte da nossa alegria: o Senhor estará sempre conosco!
De fato, a alegria do Evangelho nasce da presença de Jesus que nos fala, nos orienta e nos acompanha. Que grande alegria é poder estar do lado d’Ele, dedicar-se ao diálogo freqüente com o Senhor e sentir no coração a Sua presença consoladora que entusiasma e sustenta; que dá coragem e afasta o mal e que dissipa todo medo, como nos garantia a primeira leitura.
O Papa Francisco, em sua Carta ‘Alegrai-vos’, escrita por ocasião do Ano da Vida Consagrada (2014), nos recordava que “esta é a beleza da consagração: é a alegria, a alegria...”. E o Santo Padre seguia nos lembrando de que “não há santidade na tristeza”, enquanto nos repetia a exortação de São Paulo aos Tessalonicenses: “não andeis tristes como os que não têm esperança” (1Ts 4, 13).[1]
Caríssimas, é providencial que neste dia em que nos reunimos para louvar a Deus pela vida consagrada, especialmente por todas as irmãs que se dedicam à oração, à contemplação e ao louvor a Deus na vida de clausura, fazemos também memória a São Felipe Néri, o “santo da alegria”.
De fato, a vida na clausura não pode ser um fardo que a disciplina exige, nem um suplício suportado apenas pela obediência. Ao contrário, deve ser um espaço de alegria, onde o coração se alimenta de amor e se expande na caridade.
A vida de clausura não é também uma fuga do mundo nem uma negação da vida em sociedade. Mas, é, antes, um refúgio em Deus, um santuário de caridade e preces, um encontro mais íntimo com o Senhor. É a escolha daquela ‘melhor parte’ que não vos será tirada e que o mundo não conhece e, por isso, não entende.
É verdade, irmãs, que a clausura tem a finalidade de manter entre as religiosas um clima de recolhimento, de silêncio, de oração para uma mais perfeita busca de união mística com Deus. Contudo, e apesar desta separação física com "o mundo", sabemos que as religiosas mantêm-se intimamente unidas à humanidade e aos seus respectivos problemas, através das suas orações contínuas oferecidas como intercessão. Pensemos no exemplo de Santa Teresinha do Menino Jesus, que nunca saiu do seu convento na França, mas foi considerada como padroeira das missões.
Sim, a missão da Igreja depende mais das orações e dos joelhos dobrados diante do altar que dos nossos modernos instrumentos e técnicas de evangelização e dos nossos talentos pessoais. É justamente por isso que o Papa Francisco, por exemplo, pede continuamente que rezemos por ele.
Como é bom saber, queridas irmãs, que ainda hoje tantas almas consagradas se dedicam a esta tarefa fundamental na Igreja: a oração. Vigiar e orar ainda são as mesmas orientações que o Senhor continua nos fazendo.
Oração e alegria são o binômio através do qual o amor se expande e cativa; são, também, um verdadeiro instrumento vocacional. Quantas jovens já se deixaram seduzir e ainda hoje continuam respondendo ‘sim’ a Deus, justamente pelo testemunho e entusiasmo de vocês! Muito obrigado pelo testemunho de fé e de vida de oração que vocês nos dão, a nós e a este mundo que precisa cada vez mais de Deus.
Agora, quero dirigir-me às superioras dos Conventos, dos Mosteiros, das Casas de Formação de todas as Congregações e Institutos aqui reunidos: Caríssimas, a tarefa de dirigir uma casa religiosa, esta nobre missão que lhes foi confiada, precisa ser nutrida constantemente na fonte originária do vosso Carisma, na fidelidade àquela inspiração infundida no coração dos santos fundadores e santas fundadoras de cada Ordem, de cada Congregação.
Estimulem, sempre mais, o conhecimento, a disciplina e a prática do Carisma que o Espírito Santo infundiu no coração daqueles santos e santas. Esta é a estrada segura que vos manterá sempre unidas à comunhão da Igreja e entre si, será o princípio capaz de produzir a unidade e a riqueza que proporciona a diversidade de dons.
Lembremos, aqui, as palavras de São João Paulo II em sua Carta aos religiosos e religiosas da América Latina (1990): “A mesma generosidade e abnegação que impeliram os Fundadores devem levar-vos a vós, seus filhos espirituais, a manter vivos os seus carismas, que continuam – com a mesma força do Espírito que os suscitou – a enriquecer-se e adaptar-se, sem perder o seu caráter genuíno, para se colocarem ao serviço da Igreja e levarem à plenitude a implantação do seu Reino[2].
Cuidem, igualmente, para que a observância dos votos religiosos não seja fruto somente de uma compreensão teórica ou de uma aceitação resignada. Mas, seja expressão de amor, renúncia livre e consciente de almas que louvam a Deus em espírito de pobreza, obediência e castidade.
E a todas vós, queridas religiosas, tenham sempre presente em suas intenções aquela recordação pelos mais necessitados, pelos doentes e por todos os que padecem algum tipo de violência. Vivemos em “uma sociedade marcada pelo conflito, pela convivência difícil entre culturas diversas, pela prepotência sobre os mais fracos e por tantas desigualdades”[3].
Por isso, o vosso testemunho de oração e alegria se faz ainda mais necessário. Tenham a certeza de que as vossas preces são como um bálsamo para este mundo machucado.
Que o vosso coração se alegre, porque Deus vos escolheu como filhas preferidas e confiou a cada uma de vocês a tarefa de, através da intercessão poderosa de suas preces, irrigar este mundo com a seiva do amor divino.
E que esta missão seja cumprida sempre com aquela alegria a qual meditamos: “a alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus”.[4]
Nesta Eucaristia, Sacramento da presença do Senhor, vamos oferecer ao Pai, junto com o Pão e o vinho, as nossas alegrias e a nossa vida. Vamos ‘cantar a Deus aclamações de alegria’ por todas as graças que Ele tem concedido à Igreja através das orações das irmãs de todos os claustros. Vamos suplicar que Ele permaneça sempre conosco, apesar das tristezas, das dores e dos sofrimentos, na certeza de que, na Sua graça, o nosso coração sempre se alegrará.
Que a vossa vida continue sendo uma expressão viva da confiança na presença de Deus e na Sua Admirável Providência. Vocês, que como São Felipe Néri, preferiram o Paraíso e o amor de Deus às honras e glórias deste mundo, compreendam sempre mais que “renunciar a si mesmo, tomar a cruz a cada dia e seguir Jesus é uma verdadeira alegria”. E eu vos garanto, queridas irmãs, como disse Jesus hoje, que “ninguém vos poderá tirar a vossa alegria!”
Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
Dom Giovanni, d’Aniello
Núncio Apostólico
Aparecida, 26 de maio de 2017.
[1]
Papa Francisco, Carta apostólica
Alegrai-vos, às pessoas consagradas para proclamação do Ano da Vida
Consagrada, 2014.
[2] Carta Ap. Os caminhos do Evangelho, aos Religiosos e às
Religiosas da América Latina, por ocasião do V centenário da Evangelização do
Novo Mundo (29 de Junho de 1990), 26: L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de
29/VII /1990), 360. In Papa Francisco, Carta apostólica às pessoas consagradas para proclamação
do Ano da Vida Consagrada, 2014.
[3] Cf. Papa Francisco, Carta apostólica Alegrai-vos, às pessoas
consagradas para proclamação do Ano da Vida Consagrada, 2014.
[4] Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium, N.1,
CONFERÊNCIA DOM GIOVANNI - NÚNCIO APOSTÓLICO
Giovanni d’Aniello
N.
Ap.
|
Em.mo Senhor Cardeal,
Exc.mo Dom Orlando Brandes,
Ex.mo Dom Jaime Spengler,
Excelências,
Reverenda Ir. Inês,
Reverendos Superiores,
Reverendos Consagrados de vida
Monástica e Contemplativa,
Caríssimos amigos no Senhor!
1. É com
alegria que dirijo hoje estas palavras a vós, consagrados, ao término do II
Encontro Nacional de Vida Monástica e Contemplativa. Apresento a minha respeitosa
saudação ao Em.mo Cardeal João Braz de Aviz, Prefeito da Congregação para os
Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica e exprimo-Lhe
minha pessoal alegria em tê-lo entre nos, neste importante encontro.
Cumprimento
também ao Ex.mo Dom Orlando Brandes, Arcebispo de Aparecida e o agradeço pela
cordialidade e amizade que sempre me demonstra.
Ao Ex.mo Dom
Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre e Presidente da Comissão Episcopal
Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada, como também à
Ver.da Irmã Inês Ribeiro, Presidente da CRB, quero não somente expressar meus
agradecimentos pelo convite, mas também minha felicitação pela iniciativa de
convocar este II encontro nacional, à sombra do tricentenário da descoberta da
imagem de N. Sra. da Conceição Aparecida nas águas do Rio Paraíba do Sul e
passados tão poucos dias do centenário da primeira aparição da Virgem de Fátima
na Cova da Iria.
A todos vocês,
queridos amigos, os votos mais sinceros de que estes dias de reflexão e oração
produzam em cada um de vocês um novo elo para ser sempre testemunhas autênticos
do amor de Deus pela humanidade.
Mesmo
imaginando que o Em.mo Cardeal Braz de Aviz já o fez, quero igualmente, em nome
do Santo Padre Francisco, que reza convosco e por vós, expressar a gratidão
pelo dom da vocação de cada um dos presentes, pois vocês são na Igreja como
estes pequenos rios que deslizam dentro das montanhas. Silenciosos, não deixam
de oferecer-nos sua água com descrição, e, desta maneira, fazem dos nossos
vales uma terra fecunda da graça de Deus. A vossa oração, o louvor a Deus e a
entrega escondida de vossas vidas é um dos mais eloqüentes testemunhos das
bênçãos que se renovam sobre a Igreja e a humanidade.
Sempre recordo
aos meus irmãos no Episcopado, que é um inestimável presente contar com homens
e mulheres que dão vida aos Mosteiros nas inúmeras Dioceses brasileiras, pois
os contemplativos nos recordam radicalmente a beleza de Deus e, por excelência,
a nossa vocação última de maravilharmo-nos com Ele para testemunhá-Lo de
diversos modos.
Representais
para todos nós o bom odor do Eterno e nos reavivais através do silêncio de
vossas casa, que estamos chamados a anunciar através de nossa vocação
específica, a presença amorosa e misericordiosa da Santíssima Trindade, que
adorais e celebrais no piedoso Sacrifício Eucarístico, no amor ao Ofício
Divino, à Lectio Divina e na solidão
de vossas celas.
2. O tema de
vosso encontro, “A alegria da consagração monástica e contemplativa”, ajuda-me a
recordar um episódio que culmina numa das maiores alegrias de que fala a Sagrada
Escritura, isto é, a viagem dos Magos. Desde já, peço-vos perdão por trazer em
pleno tempo pascal algo tão próprio do Natal: “Eles, revendo a estrela,
alegraram-se imensamente” (cf. Mt 2, 10).
Estes dias de
oração, reflexão e estudo, seguramente, vos serviram para recordar que a vossa
consagração é esta estrela, tal como foi para os Magos, um sinal e apelo de
Deus para que o ser humano não deixe de prostrar-se e participar do reino dos
céus, pois somente assim o mundo encontrará a verdadeira felicidade com
serenidade, justiça e paz, sendo esta a vossa fecundidade apostólica que o
Concílio Vaticano II reafirmou no Decreto Perfectae
caritatis, (cf. n. 8).
Entender que a
vossa entrega é esta estrela que Deus manda para guiar e indicar o que espera
dos homens, deve resultar num primeiro questionamento: como anda a minha alegria
diante desta missão? Na oração e no sacrifício escondido, podemos mensurar a
qualidade de nosso contentamento e a realização com a vocação recebida. A luz
do chamado do Senhor, se sabemos acolher com fé, faz que o sentido de nossa
vida fique claro e todas as peças, como as pedras de um mosaico divino, passam
a ocupar uma harmoniosa importância.
Vejo-vos como
aqueles que escolheram caminhar seguindo a estrela de Deus e abandonaram no “fugas mundi” os vagalumes do orgulho,
prazer, sucesso, egoísmo e dos brilhos sedutores que piscam no escuro da alma,
mas que sempre são fugazes.
3. A oração nos faz descobrir a alegria da
vida monástica e contemplativa, pois ela é a resposta do homem à procura de
Deus que tão bem nos diz S. Bento, no Prólogo de sua Regra: “e procurando o Senhor na multidão do seu
povo o seu operário”, escolhe e vem ao encontro como amigo. Por isso, Bento
XVI referiu-se aos consagrados não com um nome específico, mas com umas
palavras que definem um programa de vida: “sois
testemunhas da presença transfigurante de Deus” (cf. Bento XVI, Discurso
aos Religiosos da Diocese de Roma, 10 de dezembro de 2005).
Por outro
lado, S. Bento orienta o mestre de noviços ao receber quem bate à porta de um
Mosteiro, não lhe ressaltando algum elenco de virtudes ou condutas, mas
sublinhando como principal critério de avaliação, se verdadeiramente procura a
Deus na oração. Rezar é testemunhar a presença transfigurante de Deus! O
consagrado que cuida da vida interior descobre a alegria da vocação como
adiantamento das alegrias eternas e conclui-se feliz já nesta vida, como nos
disse o Senhor no Evangelho de S. Lucas, “Em
verdade eu vos digo, não há quem tenha deixado casa, mulher, irmãos, pais ou
filhos por causa do Reino de Deus, sem que receba muito mais neste tempo e, no mundo futuro, a vida
eterna” (cf. Lc 18, 29-30).
A vida de oração
alimenta a alegria porque vos previne de dois perigos:
- A murmuração, que é
corrosiva à contemplação e à convivência com os demais, pois é uma porta aberta
para a edificação de um coração amargurado. Toda amargura na vida monástica e
contemplativa dá-se a partir do esquecimento de que um servo de Deus opta por
uma vida feliz, mas não obrigatoriamente fácil.
- A tristeza ou acedia,
que segundo o Abade Cassiano é uma doença espiritual como uma inquietação
interior que sempre presume o defeito nas coisas ou no outro, nunca em nós
mesmos.
Enfim, aprendemos
de S. Teresa de Jesus, no Livro da Vida, ao comentar às Irmãs que “quem procura agradar a quem ama, anda
contente com tudo que o agrada”, logo a vossa alegria, que é fruto da
primazia de oração, faz com que a sociedade, tão ausente de valores sagrados,
valorize o primado de Deus. Não esqueçais que a vossa oração é cooperadora de
toda atividade evangelizadora e grande consolação para os Bispos, Sacerdotes,
Religiosos de vida ativa, especialmente, os missionários.
4. Detenho-me
sobre o sacrifício, que é o outro viés que sempre vos auxiliará na constatação
da alegria vocacional, porque o ideal que Jesus propõe é o da abnegação
amorosa, do sacrifício abraçado, a cada dia, para ir atrás do verdadeiro Amor. “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si
mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Quem quiser guardar a sua vida, a perderá; e
quem perder a sua vida por causa de mim, a encontrará” (cf. Mt 16, 24-25).
Nos Fioretti de São Francisco, é citado um
ditado italiano: “Chi non dà quello che gli
duole, non riceve quello che vuole – quem não dá o que lhe dói, não recebe o
que quer”, muitas vezes esquecido na vida esponsal com Cristo. O santo de
Assis nos mostra que o egoísmo sufoca a alegria, e a proteção excessiva do “eu”
nos leva ao esfriamento com o Tu de Deus e à obstrução da graça.
Se passais
pela tentação da preguiça ao sacrificar-se não esqueçais como sucedeu junto de
Cristo no Calvário, a cruz rejeitada afundou o mau ladrão e a cruz aceita com
humildade, com amor, salvou aquele homem que se transformou em bom ladrão. Em
que consistem os vossos sacrifícios? Em cruzes procuradas; enviadas ou
permitidas por Deus ou em cruzes fabricadas ou inventadas pelos vossos
defeitos?
A fábrica das
nossas falsas cruzes tem uma fonte que se chama amor-próprio, este é um amor
bem pequeno e de escasso valor.
Peço-vos que
acrediteis o quanto a Igreja se apóia em vossos sacrifícios e penitências, tão
necessários para o tempo hodierno. A mensagem da Virgem em Fátima deve
animar-vos a uma redescoberta do que é reparar e desagravar. Vossas casas devem
gerar santos que conhecem o poder da reparação através de uma rotina de vida
que não é exercício de repetição, porém renúncia voluntária movida por amor. É
belíssimo contemplar em vosso rosto a alegria de dar alegrias!
5. Ao afirmar
o apreço e necessidade da Igreja a respeito de vossa fidelidade, gostaria de
recordar-vos que se faz imprescindível vislumbrar a alegria de vossa
consagração a partir da doutrina da Comunhão dos Santos.
A unidade
invisível do Corpo Místico de Cristo possui múltiplas manifestações visíveis e
assim temos a certeza de que a vossa entrega é sustentada pela comunhão de bens
espirituais que existem entre os fiéis que constituem a Igreja triunfante,
purgante e militante, principalmente, no Santo Sacrifício da Missa.
Como
Representante do Romano Pontífice, expresso com particular veneração o meu
intuito de fazer-vos perceber a cercania dos fiéis católicos à vossa opção de
reluzir com valentia a dimensão totalizante da “sequela Christi” e recordo-vos o apelo do Papa Francisco em sua
recente Constituição Apostólica Vultum
Dei Quaerere, “sejam faróis, para os
vizinhos e especialmente para os distantes. Sejam tochas que acompanham a
viagem de homens e mulheres na noite escura do tempo. Sejam sentinelas da manhã
anunciando o nascer do sol” (cf. Francisco, Constituição Apostólica Vultum Dei Quaerere, 29 de junho de
2016).
Que pela
intercessão materna de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, a vida monástica e
contemplativa no Brasil ensine a todos nós o que nos falou uma grande
contemplativa no meio do mundo, a Santa Madre Teresa de Calcutá: “o que conta não é a quantidade de nossas
ações, mas a intensidade do amor que colocamos em cada uma delas”. Deus vos
abençoe e muito obrigado! Rezeis pelo Papa e por mim!
+ Giovanni d’Aniello
N.
Ap.
Aparecida, 27 de Maio de 2017
terça-feira, 6 de junho de 2017
MENSAGEM FINAL
Reunidos sob o manto de
Nossa Senhora Aparecida, Rainha e Padroeira do Brasil, nos 300 anos do encontro
da venerada imagem nas águas do Rio Paraíba, nós, monges contemplativos e
monjas contemplativas, estivemos reunidos, de 23 a 27 de maio de 2017, no Santuário
Nacional de Aparecida, para tratar de assuntos importantes da Vida Monástica e
Contemplativa no Brasil. Estivemos reunidos na emblemática sala onde, precisos 10
anos atrás, o Santo Padre Bento XVI presidiu o CELAM, ocasião em que emanou o
Documento do CELAM normativo para a América Latina, e que no Pontificado do Papa
Francisco tornou-se conhecido, amado e vivido por toda a Igreja universal. De
acordo com São Bernardo, esta sala se tornou Auditório do Espírito Santo. E aqui nos reunimos para recordar e
viver o que a Igreja nos pede hoje como Consagrados Contemplativos.
Depois do I Encontro,
em 2012, este II Encontro Nacional teve como tema principal “Eis como é bom e agradável estarmos unidos
e felizes!” (Salmo 133), com o lema “A
alegria da Consagração Monástica e Contemplativa”. Ainda que este Encontro
não comportou aspectos jurídicos e doutrinários, foi muito importante por ser a
reunião das grandes famílias espirituais de Vida Monástica e Contemplativa
presentes em nosso Brasil.
Nós tivemos conferências,
partilhas e experiências muito valiosas, que nos proporcionaram ver e ouvir as
alegrias e dores da Vida Monástica e Contemplativa no Brasil. Estamos
agradecidos à Mãe Igreja, e neste Ano Nacional Mariano, sob as bênçãos de Nossa
Senhora Aparecida, agradecidos por podermos refletir sobre a Vida os tempos
atuais no momento histórico pelo qual passa o nosso país.
No primeiro dia,
refletimos mais intensamente sobre a Mística do encontro com Deus e com o irmão,
reconhecendo que o outro é o Cristo.
No segundo dia, fomos
iluminados pelo tema Profecia, Anúncio da Alegria na Vida Religiosa Consagrada,
pois, embora estejamos dentro do claustro, a Vida Monástica Religiosa Contemplativa
tem o seu profetismo, como dizia o Cardeal Schuster: “O púlpito do monge é o coro”.
No terceiro dia,
refletimos sobre a Esperança, Luzes e Perspectivas diante das crises, da falta
de perseverança e diminuição do número de vocações, mas sem perder a certeza
que o Senhor é fiel. Ele agirá em cada um de nós.
No último dia, tivemos
esclarecimentos jurídicos e canônicos, com a presença do Excelentíssimo Senhor
Núncio Apostólico, D. Giovanni d’Aniello, que presidiu duas das Santas Eucaristias
e nos dirigiu palavras que foram recebidas como vindas do próprio sucessor de
Pedro.
Estamos agradecidos à
CNBB, na pessoa do Presidente, Dom Sérgio da Rocha. Estamos agradecidos à CRB,
na pessoa de sua Presidente, Ir. Maria Inês Vieira Ribeiro, por ter mais uma
vez convidado toda a Vida Monástica e Contemplativa para este Encontro. Também
ao Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades
de Vida Apostólica, D. João Braz de Aviz, que esteve presente durante todo o Encontro.
Da mesma forma ao Bispo Referencial da CNBB para os Ministérios Ordenados e
Vida Consagrada, D. Jaime Spengler, ofm; e igualmente a todos os demais
Assessores da CRB Nacional e a todas as grandes famílias aqui muito bem representadas,
especialmente as Carmelitas, Beneditinas, Clarissas, Concepcionistas, Passionistas,
Cistercienses, Filhos da Pobreza do Ssmo Sacramento, Dominicanas, Bom Pastor e
Contemplativas de Sion.
Estamos agradecidos/as
a Deus por sermos cristãos/as, por sermos monges e monjas. Que em tudo seja
Deus glorificado. Que neste ano de graças especiais, nos 300 anos do encontro
da imagem de Nossa Senhora Aparecida, voltemos para nossas casas com as nossas
mãos unidas como as de Nossa Senhora que, após o atentado, não foram destruídas,
e que mostremos o sinal da oração da nossa consagração.
Que o Senhor nos ajude
e nos dê sua graça e paz.
Que em tudo seja Ele
bendito e glorificado.
Monjas e Monges
presentes no II Encontro Nacional da Vida Monástica e Contemplativa.
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