D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB |
A finalidade
primordial da formação é permitir aos candidatos à Vida Religiosa Consagrada
(VRC) e aos jovens professos descobrir, em primeiro lugar, em que consiste a
identidade do religioso. Somente nessas condições a pessoa consagrada a Deus se
inserirá no mundo como uma testemunha significativa, eficaz e fiel.
O Código Direito Canônico tem se
dedicado a traduzir em normas mais concretas as exigências requeridas para uma
renovação adaptada da formação.
Inicialmente passemos a uma leitura do
cân. 642: “Os Superiores, com vigilante cuidado, só admitam aqueles que, além
da idade requerida, possuam saúde, índole apropriada e suficientes qualidades
de maturidade para abraçar a vida própria do instituto; esta saúde, índole e
maturidade sejam comprovadas, se tanto for necessário, por especialistas, sem
prejuízo do prescrito no cân. 220”.
A norma obriga,
sobretudo aos superiores maiores, a só admitir ao noviciado aqueles que possuem
as quatro qualidades pessoais mencionadas:
1). Idade
necessária.
2). Saúde.
3). Índole
adequada.
4). Suficientes
qualidades de maturidade.
Esta norma nos
induz a pensar que não se pode aplicar de modo instantâneo, mas que requer um
período de tempo razoável e, consequentemente, exige uma certa estrutura de
verificação que deve ocorrer ao longo do período de postulantado.
O texto faz uma
referência explícita ao superior como uma responsabilidade severa e grave.
Trata-se de uma responsabilidade geral de vigilância, da qual não se pode
também excluir os demais membros da comunidade.
a). Idade:
relacionada com a índole e a maturidade, faz-se necessário que seja de 17 anos
completos (cf. cân. 643), sob pena da invalidade da admissão, devido aos
compromissos e obrigações do noviciado, o qual conclui com a profissão
temporária e a junção com os deveres próprios da vida religiosa.
b). Saúde:
é definida pela Organização Mundial de Saúde com os seguintes termos: “A saúde
é o estado de pleno bem físico, psíquico e social e não somente a ausência de
doenças e enfermidades”
O conceito
oferecido pela OMS remete ao conceito de pessoa na sua totalidade e no seu
destino. Considerando também a condição biológica, a definição de saúde está em
estreita relação com a realização da pessoa humana. Se o conceito de saúde se limitasse ao
aspecto fisiológico, a saúde seria apenas ausência de dor e exuberância de
vitalidade. A definição da organização
Mundial de Saúde estabelece a relação entre a saúde e o bem-estar humano[1].
O conceito de
saúde coloca como premissa a condição ética.
A saúde é um estilo de vida, é um paradigma que se define na relação que
a pessoa estabelece com o trabalho, a habitação, a alimentação, higiene etc. A promoção da saúde tem sua origem em
comportamentos favoráveis ao bem-estar integral do ser humano, evitando o
surgimento de patologias.
A saúde
espiritual e moral têm conceitos indispensáveis para a compreensão do conceito
de saúde física exigida para a admissão à vida consagrada. A saúde é um dom útil e indispensável para
responder ao chamado à santidade e à felicidade em torno do Senhor. Sem a saúde
espiritual e moral, não é possível responder ao chamado universal à santidade.
A questão ética
da saúde é importante para situar o problema na admissão à VRC. De fato, a boa saúde para a admissão é um
meio para a realização eficaz da própria vocação.
Aspectos a serem
observados pelo superior no discernimento acerca da saúde do candidato:
- Se o candidato
passou por graves problemas de saúde no passado.
- Como é o seu
repouso, seu apetite.
- Se tem
tendência de exagerar ou negligenciar o cuidado com o seu corpo.
- Se faz uso de
algum remédio.
A razão própria
da norma canônica de requerer para o candidato uma boa saúde está em razão da
vida em um Instituto de VRC. A vida
consagrada não ausenta a pessoa das dificuldades, principalmente na intensa
vida comum e nos compromissos do apostolado. É necessário, para começar o
noviciado, uma boa saúde, pois, com o passar do tempo e com a idade, é normal
que apareçam enfermidades ou mesmo o cansaço.
Se o candidato começa o seu tempo de noviciado com alguma enfermidade, a
tendência é agravar-se[2].
A saúde deve
entender-se em suas dimensões biológicas e psíquicas, levando em conta a
unidade da pessoa. Não é tanto o carecer
de enfermidades, mas o estado subjetivo e de bem-estar geral e integral da
pessoa em sua dimensão física, espiritual, psíquica, social e familiar.
Para a
comprovação do bom estado de saúde do candidato, é suficiente uma apresentação
do resultado de um exame médico recente.
Este exame médico é uma prática atual e não desmerece em nada o
candidato à VRC. Pelo contrário, é a
possibilidade de o encaminhar a um possível tratamento, caso exista alguma
enfermidade para o próprio bem-estar do candidato, observando o direito da
própria intimidade da pessoa[3].
c). Índole
adequada – suficientes qualidades psíquicas
A razão da norma
está em função da vida em comunidade que os consagrados são chamados a viver. O
Concílio Vaticano II utilizou o termo maturidade com o significado
psicológico. O decreto “Perfectae
Caritatis” expressa a necessária e “devida maturidade psicológica e
afetiva” para emitir as promessas de castidade e “maturidade da pessoa humana”
para a prática da obediência religiosa[4].
Atualmente,
junto a uma maturidade física antecipada entre os jovens, ocorre uma
imaturidade psicológica prolongada.
Considera-se que os jovens estão fisicamente e intelectualmente
desenvolvidos, porém, às vezes no comportamento manifestam atitudes que revelam
sensível atraso na maturidade psicológica e especialmente afetiva. Os sinais de imaturidade manifestam-se na
instabilidade e na fragilidade, na intolerância às decisões de qualquer
autoridade, na insegurança, na insatisfação, no medo da solidão e do silêncio.
Atualmente, o jovem
admitido à VRC é aquele que vive neste momento da história. Daí a necessidade da atenção. Para o período introdutório de formação, o
candidato, tendo adquirido consciência do chamado divino, deve demonstrar um
tal grau de maturidade humana e espiritual que permite responder a este chamado
com suficiente liberdade de escolha e responsabilidade. Não pode ser permitido entrar na VRC sem que
tal escolha seja feita livremente. A maior parte das dificuldades encontradas
na formação dos noviços deriva do fato que, no momento da admissão, não possuem
a suficiente maturidade[5].
Certamente não
se pede a um candidato à VRC ser capaz de assumir imediatamente todas as
obrigações dos religiosos, mas deve ser julgado capaz de assumi-la
progressivamente, mediante um tempo adequado.Contudo, só poderá ser admitido ao
noviciado aquele que possui as suficientes condições ou sinais de maturidade[6].
Para tal
maturidade, a vida consagrada requer boa saúde psíquica relativa à natureza de
cada instituto religioso, para poder superar as dificuldades, dedicar-se ao
trabalho e à vida de oração e para viver a vida fraterna. Se no início da vida consagrada, o estado de
saúde psíquico não permite cumprir os deveres e os empenhos exigidos, não se
pode esperar que possa cumprir no futuro.
A probabilidade é que, com o tempo, as enfermidades psíquicas se agravem[7].
Critérios para o conceito de maturidade
É difícil
determinar qual seja o mínimo a exigir do candidato, porém, é necessário
refletir sobre o problema e não admitir pessoas que não estão em condições de
viver em comunidade e nem de aceitar com boa disposição as exigências da VRC[8].
O código de
direito canônico requer do candidato à admissão ao período introdutório somente
“suficientes qualidades de maturidade” [9]. Não é possível exigir de um jovem aquilo que
é próprio da idade adulta. O candidato
deve ter suficientes qualidades de maturidade verificáveis em suas
características principais: aceitação da realidade, assimilação da autoridade,
objetividade, capacidade de ser responsável, controle da ansiedade, capacidade
de aceitar e suportar sem traumas as frustrações da vida, profundo sentimento
de benevolência, cordial relacionamento com o próximo, coerência entre os
princípios morais e a vivência destes princípios[10].
Para determinar
tal maturidade psicológica, é aconselhável considerar a origem familiar do
candidato e a interação com o meio social, particularmente a escola e a
paróquia que ele freqüentou.
As motivações para o ingresso na VRC
Diante de uma
determinada escolha vocacional, coloca-se a pergunta sobre a autenticidade do
chamado de Deus. Para responder a esta
pergunta, é necessário examinar a qualidade das motivações. A motivação é autêntica quando a pessoa tem
conhecimento dos verdadeiros motivos da escolha, da aceitação e da aprovação do
estado de vida como consagrado.
As motivações
insuficientes têm o egoísmo como base referencial e estão relacionadas às
vantagens pessoais de caráter material que a VRC poderá trazer à pessoa. O egoísmo não é somente uma forma individual
de postura de vida, sendo este tipo de egoísmo o causador de opressões e
guerras[11].
Com o egoísmo, a
pessoa exprime uma preocupação excessiva por si, pelos próprios interesses e
pelos próprios desejos. É contrário à
generosidade para com o próximo e para com Deus. Frequentemente sente inveja de
outras pessoas ou acredita ser alvo da inveja alheia e tem comportamento e
atitude arrogante e insolente[12].
Ao discernir o
grau de maturidade do candidato ao período introdutório, deve ser verificada a
sua capacidade de doar-se ao próximo e o seu espírito de serviço no
relacionamento comunitário. A forte
atitude de indisponibilidade ao servir pode revelar o Transtorno da
Personalidade Narcisista, que se caracteriza por um sentimento de grandiosidade
em fantasia ou comportamento, necessidade de admiração e falta de empatia, que
começa no início da idade adulta. A
pessoa que age com tais motivações, ao invés de empenhar-se a serviço da Igreja,
na verdade, quer usufruir-se daquilo que a Igreja lhe pode oferecer. São motivações utilitaristas. São insuficientes para constituir a base da
escolha vocacional religiosa
Um candidato à
VRC que tem este perfil demonstra uma incorreta compreensão da vida dedicada
totalmente a Deus e aos irmãos. O
objetivo da VRC é a busca da perfeição por meio dos conselhos evangélicos ou
das outras obrigações próprias e conexas à profissão religiosa, que não deixa
de ser um contrato entre o instituto de vida consagrada e o religioso que
professou, em virtude da justiça e da fidelidade. Não são aceitáveis motivações puramente
terrenas ou materiais para a vida de consagração, sem empenho no campo da fé e
da espiritualidade, buscando apenas honras e dignidades[13].
Por isto, com
motivações inadequadas, é possível que, no futuro, o candidato apresente uma
inevitável crise e grandes dificuldades para equilibrar-se diante dos conflitos
internos.
Motivações válidas e suficientes
A razão da
escolha à VRC está no fato de ser uma entrega total a Deus, com a decisão de
seguir o Cristo, de acordo com a forma de vida estabelecida pelo direito
próprio, ou seja, pelas Constituições. Os diversos desejos exprimem a vontade
profunda de pertencer totalmente a Deus.
Tal motivação orienta a pessoa na sua totalidade a Deus e ao
próximo. Somente esta é a motivação
autêntica e válida para consagrar-se por toda a vida em um instituto de vida
consagrada. Com tais motivações, a
pessoa terá condições de encontrar soluções adequadas e ponderadas para as
dificuldades que a vida irá apresentar.
A maturação das motivações
No início da
escolha vocacional, junto aos motivos religiosos de entrega a Deus e ao
próximo, podem ocorrer traços egocêntricos.
Contudo, importa que a motivação autêntica esteja presente, ao menos em
forma embrionária. Quanto mais a motivação é madura e integrada, tanto mais a
escolha vocacional religiosa será sadia, bem fundamentada e consciente.
A Igreja exige a
reta intenção dos candidatos à VRC, isto é, aquela disposição interior
verdadeira que exprime a sincera motivação, autenticidade, confiança na graça
sobrenatural, fundamentada sobre um conhecimento lúcido do ideal de consagração
e para onde deseja orientar-se. Por
isso, a motivação madura para a admissão consiste na conformidade da vontade
deliberada de forma consciente segundo a natureza e a finalidade da vida
consagrada. Tal motivação deve estar
amadurecida adequadamente ou que esteja ao menos em estado latente com
possibilidade de se desenvolver.
Portanto, no
período de imaturidade é desaconselhável tomar decisões importantes, pois o
pedido de admissão ao período introdutório, ou seja, o noviciado requer a
devida maturidade e a capacidade de escolher livremente o próprio estado de
vida. O mestre de noviços deve trabalhar
com os postulantes e os noviços para que eles possam adquirir a necessária
maturidade, a fim de realizarem uma escolha vocacional como a Igreja espera,
considerando a idade e a história de cada um.
Enfermidades psíquicas que prejudicam a liberdade
interna
Sobre a presença
de enfermidades psíquicas no candidato à VRC, o auxílio de especialistas em
ciências psicológicas pode ser conveniente, sobretudo ao nível do
diagnóstico. No caso de se constatar a
necessidade de uma terapia, deve ser realizada antes da admissão ao noviciado[14].
Algumas
enfermidades psíquicas podem impossibilitar a admissão à vida consagrada,
porque comprometem decisivamente a liberdade interna. Essas enfermidades psíquicas normalmente são
divididas em três grupos:
a). Psicose –
esquizofrenia, psicose maníaco depressivo, paranóia;
b) Neuroses –
neurose de angústia, de fobia e neurose obsessivo-compulsivo e neurose
histérica;
c) Distúrbio de
personalidade – melancolia e fanatismos.
1). Psicose
É uma verdadeira
doença mental, com total desequilíbrio dos aspectos funcionais da pessoa e uma
transformação qualitativa da sua personalidade.
Os sinais desta doença são:
a) Tendência a
fechar-se em si;
b) mudança
brusca no comportamento;
c) perda de
memória;
d) sentimentos
de culpa e depressão, que podem resultar em um aumento da agressividade.
Existem três
tipos de psicose:
a). Esquizofrenia
É uma separação
mental entre a pessoa e o mundo exterior.
O indivíduo não é capaz de desenvolver conceitos e chegar à conclusão de
forma crítica. No emocional, manifesta
uma afetividade com excessos de lágrimas e risos descontrolados e
injustificados, sinais claros de uma vida emocional desorganizada, incapaz de
estabelecer relacionamentos próximos de amizade. Alguns desses sintomas não aparecem todos de
uma só vez, mas lentamente e gradualmente.
A esquizofrenia é realmente uma perturbação, incapacitando a livre
escolha vocacional[15].
b). Paranóia
A pessoa
torna-se extremamente impermeável à crítica ou influências externas. Temos dois
tipos. A primeira caracteriza-se pelo
exagero, pelo orgulho e pelo sentimento de grandeza. Tende à desconfiança e ao ressentimento em
respeito de outras pessoas que não apreciam o seu valor.
O segundo tipo é
um delírio sistemático com tendência crônica de ciúme e perseguição. Segundo a doutrina e a jurisprudência, a
paranóia não tem intervalos lúcidos e, por isso, a pessoa é incapaz de
expressar uma escolha livre vocacional.
c). Psicose maníaco-depressiva
Trata-se de
distúrbio emocional com uma tendência persistente, normalmente de origem e com
influências hereditárias. É um estado
patológico de sentimento, de tristeza vital injustificado que se expressa com
uma sensação de opressão e vazio interior.
A jurisprudência, com certas reservas, considera que o maníaco depressivo
é desprovido da necessária discrição de juízo durante o período de crise. A escolha vocacional exige saúde psíquica
permanente, por isto, o candidato à VRC que traz este perfil não está em
condições de ser admitido.
2. Neurose
A neurose é uma
alteração do sistema nervoso central, que se origina a partir de um conflito
com o meio ambiente e com os objetivos que se deseja alcançar. Daí as reações de imaturidade, impulsividade
e irritabilidade, devido à incapacidade de resolver os conflitos. Existe influência de fatores sociais e
ambientais, especialmente a família e as motivações internas. Podemos distinguir os principais tipos de
neurose:
a). Neurose de angústia
Consiste em um
estado de intensa angústia. A pessoa tem
uma tendência à insegurança e, constantemente procura proteção. Todas as circunstâncias da vida tornam-se uma
ocasião de ansiedade e preocupação, entrando facilmente em crise.
b). Neurose obsessiva-compulsiva
É o tipo de neurose que lesa
profundamente a liberdade interna. A pessoa tem uma ideia obsessiva que
interfere significativamente nas atividades do cotidiano. Neste caso, o
indivíduo se obriga a realizar um comportamento, mesmo considerado absurdo e
prejudicial. As características são: preocupação com a ordem e a ideia de
perfeição[16].
c). Neurose histérica
Caracteriza-se pelo fato de que o
conflito interno converte-se numa disfunção orgânica sensitivo-motora, exigindo
receber atenção, carinho e consolação. O desejo de aparecer perante o outro é
corretamente identificado na sua acepção de vaidade, mas a pessoa sente a
necessidade de preencher uma vida desprovida de genuíno significado.
A doutrina e a jurisprudência reconhecem
que as neuroses podem impedir a discrição de juízo. Sobre a admissão ao período
introdutório, isto é, o noviciado, será difícil para a pessoa integrar-se numa
vida de comunidade, tendo em vista as exigências da VRC Contudo, o superior poderá
pedir um exame psíquico, antes de realizar a admissão[17].
d). Os distúrbios de personalidade
A terminologia “distúrbio de
personalidade” é de origem relativamente recente, inclui uma série de
distúrbios sobre o caráter de um indivíduo, sua personalidade e sua relação com
o ambiente social. Manifesta um comportamento imprevisível, irritabilidade,
impulsividade extrema, exaltação do afeto. O agir é marcado pelo instinto do
momento, faltando o senso da responsabilidade para os seus atos. Os tipos são:
1) o melancólico, sempre mal-humorado, deprimido, incapaz de verdadeira alegria
e com visão pessimista da vida. 2) O fanático, com uma visão rígida e sem
propensão ao diálogo.
A característica
essencial do distúrbio de personalidade é um padrão constante de experiência
interna e comportamental para atender às expectativas do meio social. A
jurisprudência reconhece que tais pessoas são imaturas, em maior ou menor grau.
Para a VRC, as características de melancolia e fanatismo, mesmo religioso,
impossibilitam o desenvolvimento harmonioso e constante da pessoa.
Portanto, a
fronteira entre a normalidade e a anormalidade não é fácil. Alguns
comportamentos, que por vezes parecem sadios na realidade, não são. A falta de
liberdade interna refere-se a condicionamentos que interferem decisivamente na
capacidade de escolha da pessoa. Geralmente, tais condicionamentos são de
origem patológica: psicose, neurose, distúrbios de personalidade. Pode resultar
também de circunstâncias ocasionais, tais como: pessoais, familiares,
ambientais, sociais etc, que afetam um indivíduo psiquicamente frágil.
Portanto, para a admissão ao noviciado, o candidato deve ser internamente capaz
de escolher e deliberar sobre sua vocação, com um suficiente grau de liberdade
proporcional à escolha vocacional.
Capacidade de escolha
É necessário que o candidato à VRC tenha
condições de fazer uma escolha livre e consciente. A escolha pela VRC qualifica
a pessoa no plano eclesial e social, por isso, é uma escolha fundamental para o
desenvolvimento e o amadurecimento enquanto ser humano. É importante verificar
se o candidato apresenta as condições de autêntica escolha, ao menos em seu
nível mínimo:
a) suficiente
coerência e realismo diante da opção que está a fazer;
b) conceito
suficientemente realista de si mesmo;
c) conhecimento
suficiente da VRC;
d) experiência
religiosa que esteja integrada com a vida eclesial.
O tempo de
preparação à admissão exige a fidelidade e uma certa postura social e eclesial,
porque tornou parte de sua identidade aquilo que o juízo escolheu como um bem.
Neste sentido, são significativos os sinais que o candidato emite em relação às
promessas da consagração. A escolha pela VRC traz para o presente aquilo que no
futuro se espera. O candidato à admissão em um Instituto de VRC não tem a
obrigação de viver as promessas como um consagrado, mas deve manifestar uma
certa semelhança no estilo de vida, como exteriorização da decisão interna de
dedicar-se a Deus e aos irmãos.
O grau de
liberdade requerido para que o ato seja válido e lícito é que o candidato tenha
a devida liberdade para assumir a vida consagrada, dom gratuito de Deus,
respondido livremente. É necessário responder também aos deveres anexos a este
novo estado de vida; deveres que devem ser assumidos com plena liberdade. Esta
escolha livre é uma concretização canônica do direito fundamental de todo fiel
e deve estar imune de qualquer coação na escolha do estado de vida[18].
Por isso, a fim
de proteger essa liberdade, a lei proíbe terminantemente e de modo absoluto, de
qualquer modo e por qualquer motivo, que alguém seja induzido a entrar na VRC
por violência, medo, grave ou dolo[19].
O equilíbrio psicológico
A saúde não é
somente expressão de uma plena normalidade no funcionamento do organismo, mas é
também um equilíbrio que está junto com a complexa faculdade psicológica,
existencialmente orientada para o fim próprio do ser humano. Este fim próprio, onde se encontra o equilíbrio
psicológico, é a capacidade de amar, que se manifesta no modo de viver e agir.
A pessoa imatura para a admissão não
poderá integrar-se adequadamente ao funcionamento e as exigências da VRC na
própria personalidade, de modo unitário e positivo; não suportará o devido grau
requerido de emancipação da família; não suportará a vida em comum, não
assimilará os princípios e as decisões da autoridade constituída, dificilmente
entenderá e praticará a castidade, não terá entusiasmo com a espiritualidade e
com a sua multiplicidade de práticas cotidianas, não aceitará o desapego dos
bens temporais, ou seja, não está madura para viver a consagração.
Uma pessoa madura é empenhada a seguir a
vocação cristã e a realizar na própria vida os valores correspondentes a esta
vocação que vem de Deus, mas se concretiza na existência quotidiana. Tal
realização são escolhas importantes para a pessoa. A pessoa madura não faz a
escolha vocacional pensando em resolver seus conflitos pessoais, mas deseja
colocar em prática um apelo interior. Em síntese, é possível o crescimento na
maturidade afetiva quando o coração adere inteiramente a Deus. Para que isto
aconteça, é necessário haver honestidade consigo mesmo, abertura ao diretor
espiritual e confiança na divina misericórdia.
O código de direito canônico considerou
as consequências de uma boa e uma má saúde, seja física, seja psíquica, para a
vida individual e social da pessoa na consagração religiosa. Considerou também
a influência do equilíbrio psicológico sobre a capacidade de adaptar-se ao
ambiente, sobre o desenvolvimento organizado e integrado da personalidade,
sobre a maturidade, sobre a vida comunitária, sobre o desenvolvimento do
apostolado, sobre o desenvolvimento da pessoa numa determinada comunidade
religiosa com as características e as exigências especificas para os seus
membros. Por isso, exige-se do candidato ao noviciado o devido equilíbrio
psicológico, como expressão de saúde física e psíquica, e com certas garantias
de estabilidade.
A influência da família no equilíbrio psicológico
Os Transtornos Mentais e de
Comportamento são uma série de distúrbios definidos pela Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Correlatos de Saúde. Embora os
sintomas manifestem em considerável variação, tais transtornos geralmente se
caracterizam por uma combinação de ideias, emoções, comportamentos e
relacionamentos com outras pessoas. A evidência científica moderna indica que
os Transtornos Mentais e Comportamentais resultam de fatores genéticos e
ambientais.
O cuidado atento e estável praticado com
amor à criança desenvolve com normalidade as funções, como a linguagem, o
intelecto e o equilíbrio emocional. A criança privada de afeto por parte de
seus responsáveis tem mais probabilidades de manifestar Transtornos Mentais e
Comportamentais, seja durante a infância, seja numa fase posterior da vida.
Neste sentido, a Exortação Apostólica
pós-sinodal “Pastores dabo vobis”
lembra a responsabilidade de uma família cristã que, em virtude do sacramento
do matrimônio, participa na missão educativa da Igreja, Mãe e Mestra[20].
Também Exortação
Apostólica “Vita Consecrata” recorda
que, “se os pais não vivem os valores evangélicos, dificilmente o jovem e a
jovem poderão perceber o chamado, compreender a necessidade dos sacrifícios a
enfrentar, apreciar a beleza da meta a atingir. De fato, é na família que os
jovens fazem as primeiras experiências dos valores evangélicos, do amor que se
dá a Deus e aos outros”[21]
A ausência da família é prejudicial, mas
não pode ser determinante. O afeto recebido na infância, vindo dos pais ou dos
responsáveis, é o determinante na constituição de uma nova família. Este
aspecto o Superior deverá constatar na origem da vocação do candidato.
Por isso, no
processo de admissão, é imprescindível o contato do Promotor Vocacional com a
família do candidato, pois o conhecimento da família ajudará o superior a
realizar o discernimento para chegar à certeza moral da vocação e da idoneidade
do candidato.
Influência do meio ambiente no equilíbrio
psicológico
O Pontifício
Conselho para a Saúde publicou uma nota utilizando os dados da Organização
Mundial da Saúde, relacionando a saúde mental com a pobreza material,
demonstrando que a origem das enfermidades mentais é antes de tudo social. As
dificuldades e traumas provenientes da miséria, das condições não favoráveis e
do impedimento ao acesso à cultura são causas intrínsecas de enfermidade mental[22].
Contudo, a criança, em qualquer situação
ou circunstância em que se encontra, deve ser amada, acolhida, protegida e
educada, tanto maior quanto mais duras e pesadas forem as suas limitações e
dificuldades. O primeiro ambiente da criança é sempre a família.
Neste sentido, juntamente com a família,
a criança recebe uma profunda influência dos demais ambientes em sua formação
psíquica, dentre eles, podem-se destacar: a instituição escolar e a comunidade
paroquial. Para que o candidato seja admitido à VRC é imprescindível que tenha
ele participado e vivido harmoniosamente na instituição escolar e na comunidade
eclesial.
O Decreto “Perfectae caritatis” sobre a renovação
adaptada da vida religiosa recorda as raízes batismais da consagração religiosa[23]
e, desta maneira, implicitamente, leva a não admitir no noviciado a não ser os
candidatos que já vivem de uma maneira adaptada à sua idade, todos os
compromissos do seu batismo. Igualmente, uma boa formação à vida religiosa
deverá confirmar a profissão de fé e os compromissos do batismo em todas as
etapas da vida e, especialmente, nos períodos mais difíceis, nos quais a pessoa
se sente chamada a optar de novo, livremente, por aquilo que já havia escolhido
uma vez por todas[24].
A comunidade como formadora
Uma comunidade é formadora na medida em que
permite cada um dos seus membros crescer na fidelidade ao Senhor. Para isso, a
comunidade se constrói cada dia sob a ação do Espírito Santo, deixando-se
julgar e converter pela palavra de Deus, purificar pela penitência, construir
pela Eucaristia quotidiana e se vivificar pela celebração do ano litúrgico. Ela
faz crescer sua comunhão pela ajuda generosa e pelo intercâmbio contínuo de
bens materiais e espirituais, em espírito de pobreza e graças à amizade e ao
diálogo[25].
Os que estão na fase de formação devem poder
encontrar no seio da comunidade uma atmosfera espiritual, uma austeridade de vida
e um estímulo capazes de impulsioná-los a seguir mais vivamente o Cristo em
conformidade com o direito próprio.
O
formador ou mestre de noviços
O papel do
formador é o de discernir a autenticidade do chamamento à VRC na fase inicial
da formação e ajudar os postulantes e os noviços a orientar o seu diálogo
pessoal com Deus e, ao mesmo tempo, descobrir os caminhos pelos quais parece
que Deus quer fazê-los avançar. Cabe também aos formadores acompanhá-los nos
caminhos do Senhor, por meio de um diálogo regular, respeitando o que é de
competência do confessor e do diretor espiritual. Uma das tarefas principais
dos responsáveis pela formação é ainda a de cuidar que os noviços e jovens
professos sejam efetivamente orientados por um diretor espiritual[26]
Qualidades
requeridas para o formador
Além de um conhecimento suficiente da
doutrina católica sobre a fé e os costumes, revela-se evidente a exigência de
qualidades para aqueles que assumem responsabilidades de formação:
1 - capacidade humana de intuição e de acolhimento;
2 - experiência madura de Deus e
testemunho de vida;
3 - sabedoria que deriva da escuta
atenta e prolongada da Palavra de Deus;
4 - amor à liturgia e compreensão do seu
papel na educação espiritual e eclesial;
5 - necessária competência cultural;
6 -
disponibilidade de tempo e de boa vontade para consagrar-se ao cuidado pessoal
de todos os candidatos e não somente do grupo que está em formação sob a sua
responsabilidade[27].
Para o formador, requer, portanto,
serenidade interior, disponibilidade, paciência, compreensão e um verdadeiro
afeto para com aqueles que foram confiados à sua responsabilidade (cf. cân. 651
§ 3).
Existindo uma
equipe formadora, os seus membros devem atuar de comum acordo, vivamente
conscientes da responsabilidade comum, sob a direção do superior. Esta equipe deve estar em estreita comunhão
de espírito e de ação e formem, entre eles e com aqueles que haverão de formar,
uma família unida[28]. Deve-se ressaltar que o superior, o mestre de
noviços e o seu assistente, nos institutos clericais, não podem ouvir as
confissões sacramentais dos noviços, a não ser que eles o peçam espontaneamente
em casos particulares[29].
Perante tarefas
tão delicadas, resulta verdadeiramente importante a preparação de formadores
idôneos, que, no seu serviço, assegurem uma grande sintonia com o magistério da
Igreja. Será oportuno criar estruturas adequadas para a preparação dos
formadores. Nesta obra de formação, os Institutos que já se encontrem melhor
radicados deem uma mão aos Institutos de fundação mais recente, graças à ajuda
de alguns dos seus melhores membros[30]. Os superiores devem designar um ou vários
religiosos providos da qualificação necessária para o acompanhamento dos
candidatos e para o discernimento da sua vocação. Eles colaborarão ativamente com
o mestre de noviços[31].
A
finalidade do noviciado
O código de
direito canônico apresenta a finalidade do noviciado com as seguintes palavras:
“O noviciado, com o qual se começa a vida no instituto, destina-se a que os
noviços conheçam melhor a vocação divina, a vocação própria do instituto, façam
experiência do modo de viver do instituto, conformem com o espírito dele a
mente e a coração e comprovem sua intenção e idoneidade” [32].
O código de direito canônico ainda
ressalta: “Os noviços sejam levados a cultivar
as virtudes humanas e cristãs; sejam introduzidos no caminho mais intenso da
perfeição e pela renúncia de si mesmos; sejam instruídos para contemplar o
mistério da salvação e para ler e meditar as sagradas Escrituras; sejam
preparados para prestar o culto divino na sagrada liturgia; aprendam a levar em
Cristo uma vida consagrada a Deus e aos homens, mediante os conselhos
evangélicos; sejam informados sobre a índole e o espírito do instituto, sua
finalidade e sua disciplina, sua história e sua vida; sejam imbuídos de amor à
Igreja e aos seus sagrados Pastores”[33].
Como se deduz dessa lei geral, a
iniciação integral que caracteriza o noviciado vai muito mais além de um
simples ensino. Ela é:
- um período de iniciação ao
conhecimento profundo e vivo de Cristo. Isso supõe um estudo meditado da
Escritura, a celebração da liturgia, uma iniciação à oração pessoal e à sua
prática, bem como ao costume e ao gosto de aproximar-se dos grandes autores da
tradição espiritual da Igreja;
- uma iniciação a entrar no mistério
pascal de Cristo através do desprendimento de si mesmo, especialmente na
prática dos conselhos evangélicos;
- uma iniciação à vida fraterna
evangélica. Efetivamente, na comunidade a fé se aprofunda e se faz comunhão e a
caridade encontra suas múltiplas manifestações no concreto da vida cotidiana;
- história, missão e espiritualidade.
Este programa da
formação do noviciado deve ser definido pelo direito próprio[34]
A
formação deverá, pois, atingir em profundidade a própria pessoa, de tal modo
que cada uma das suas atitudes ou gestos, tanto nos momentos importantes, como
nas circunstâncias ordinárias da vida, possa revelar a sua pertença total e
feliz a Deus. Uma vez que o objetivo da VRC consiste na configuração com o
Senhor Jesus e com a sua oblação
total, para isso, sobretudo, é que deve apontar a formação. Trata-se de um
itinerário de progressiva assimilação dos sentimentos de Cristo para com o Pai[35].
A
Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida
Apostólica, falando sobre a formação das monjas, o Documento “Verbi Sponsa” assinala: “Assume
particular importância o programa de formação, inspirado no carisma específico,
que deve compreender, de modo bem distinto, os anos iniciais até a profissão
solene ou perpétua e os sucessivos que devem garantir a perseverança na
fidelidade por toda a vida. Para isso, as comunidades claustrais tenham uma
adequada “ratio formationis”, que
fará parte do direito próprio, depois de ser submetida à Santa Sé, após o voto
deliberativo do Capítulo conventual[36].
A instrução “Verbi Sponsa”, da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, lembra também que o contexto cultural do nosso tempo exige dos institutos de vida contemplativa um nível adequado de preparação às exigências deste estado de vida consagrada. Por isso, os mosteiros devem exigir que as candidatas possuam, antes da admissão ao noviciado, aquele grau de maturidade afetiva, humana e espiritual que as tornem idôneas a seguirem com fidelidade e compreenderem a natureza da vida inteiramente ordenada à contemplação em clausura[37].
As
obrigações próprias da vida claustral devem ser bem conhecidas e aceitas pelas
candidatas ao longo do primeiro período da formação e, em todo caso, antes da
emissão dos votos solenes ou perpétuos (cf. VS, n. 23). Por isto, diz São João Paulo II: “Os
contemplativos situam-se num estado de oblação pessoal tão elevado que requer
uma vocação especial, que deve ser verificada antes da admissão ou da profissão
definitiva”[38].
O
estudo da Palavra de Deus, da tradição dos Padres, dos documentos do
Magistério, da liturgia e da teologia, deve constituir a base doutrinal da
formação, visando oferecer os fundamentos do conhecimento do mistério de Deus
contidos na Revelação cristã, investigando, à luz da fé, toda a verdade contida
no mistério de Cristo[39].
A
norma geral é que todo o ciclo da formação inicial e permanente se realize
dentro do mosteiro, onde a monja cresce e amadurece na vida espiritual,
alcançando a graça da contemplação. A formação no próprio mosteiro tem também a
vantagem de favorecer a harmonia de toda a comunidade. O mosteiro, inclusive,
com o seu ambiente e ritmo de vida característico, é o lugar mais conveniente
para realizar o caminho de formação, já que o alimento quotidiano da Eucaristia,
a liturgia, a lectio divina, a
devoção mariana, a ascese e o trabalho, o exercício da caridade fraterna e a
experiência da solidão e do silêncio constituem momentos e fatores essenciais
da formação para a vida contemplativa[40]
Cada mosteiro deve ser efetivamente o artífice da própria vitalidade e do seu futuro; deve ser um lugar de fervoroso progresso e crescimento espiritual. A Igreja reconhece a cada mosteiro “sui iuris” uma justa autonomia jurídica de vida e de governo, para que possa usufruir de uma disciplina própria, capaz de conservar íntegro o próprio patrimônio[41].
A
formação dos professores temporários
O código de direito canônico ainda
preceitua: “O direito próprio deve definir as diretrizes dessa formação e sua
duração, levando em conta as necessidades da Igreja e as condições dos homens e
dos tempos, conforme o exigem a finalidade e a índole do instituto”[42].
Os superiores
designarão especialmente um responsável da formação dos professos temporários,
que prolongue neste nível e de modo especifico a missão do mestre de noviços.
Essa formação durará pelo menos 3 anos.
No programa de estudos devem os responsáveis figurar em lugar importante
a teologia bíblica, dogmática, espiritual e pastoral, e, em particular, o
aprofundamento doutrinal da VRC. Os
religiosos devem ter consciência de que aprendem uma só ciência: a ciência da
fé e do Evangelho[43]
O desenvolvimento desses estudos e a
preparação dos diplomas hão de estar, a juízo dos superiores maiores e
responsáveis da formação, convenientemente harmonizados com o do programa
previsto para esta etapa da formação.
A
formação permanente para os professos perpétuos
Sobre a formação permanente, o Código de
Direito Canônico traz as seguintes orientações: “Os religiosos continuarão
diligentemente a sua formação espiritual, doutrinal e prática durante toda a
vida; os superiores hão de proporcionar-lhes meios e tempo necessário para
isso”[46].
Cada instituto
religioso tem, pois, a tarefa de projetar e de realizar um programa de formação
permanente adequado para todos os seus membros. Um programa que tende não
somente à formação da inteligência, mas também de toda a pessoa, principalmente
na sua missão espiritual, para que o religioso possa viver em toda a sua
plenitude a sua própria consagração a Deus, na missão específica que a Igreja
lhe confiou[47].
S. João Paulo II também sublinha: “A
formação permanente, tanto para os Institutos de vida apostólica, como para os
de vida contemplativa, constitui uma exigência intrínseca à consagração
religiosa. Como se disse, o processo de formação não se reduz à sua fase inicial,
visto que a pessoa consagrada, pelas suas limitações humanas, não poderá mais
pensar ter completado a gestação daquele homem novo que experimenta dentro de
si, em cada circunstância da vida, os mesmos sentimentos de Cristo. A formação
inicial deve, portanto, consolidar-se com a formação permanente, criando no
sujeito a disponibilidade para se deixar formar em cada dia da sua vida” [48].
A formação contínua é processo global de
renovação que abarca todos os aspectos da pessoa do religioso e o conjunto da própria
vida consagrada. Para esta formação, são dignos de serem considerados os
seguintes aspectos:
- a vida espiritual: esta deve ter a
primazia, porque inclui o aprofundamento na fé e no sentido da profissão
religiosa. Devem-se privilegiar os exercícios espirituais anuais e os tempos de
reanimação espiritual;
- a “reciclagem” doutrinal e
profissional, que inclui o aprofundamento bíblico e teológico, o estudo dos
documentos do magistério da igreja e instituto;
- após alguns anos de profissão
perpétua, quando se apresenta o risco de uma vida “rotineira” e a perda de todo
entusiasmo, a formação permanente pode trazer um novo vigor;
- momentos de desânimo podem ocorrer em
qualquer idade sob a influência de fatores externos: mudança de trabalho,
fracasso, incompreensão, sentimento de marginalização; ou de fatores mais
diretamente pessoais: doença, física ou psíquica, aridez espiritual, fortes
tentações, crises de fé ou afetivas. Nessas circunstâncias a formação
permanente e o auxílio do superior devem ajudar o religioso a superar
positivamente estes momentos;
Os superiores
designarão uma pessoa responsável pela formação permanente no instituto. Mas
também se velará para que os consagrados, ao longo da sua vida, possam dispor
de conselheiros espirituais, segundo as pedagogias já colocadas em prática
durante a formação inicial e segundo as modalidades adaptadas à maturidade
adquirida e às circunstâncias que atravessam[49].
A formação,
sobretudo a permanente, que é uma exigência intrínseca à consagração religiosa,
tem o seu húmus na comunidade e na vida diária. Por este motivo, o lugar
ordinário onde tem lugar o percurso formativo é o mosteiro e que a vida
fraterna em comunidade deve, em todas as suas manifestações, favorecer tal
percurso[50].
Lectio Divina
A Congregação para os Institutos de Vida
Consagrada e as Sociedades de vida Apostólica, em seu documento “Orientações
sobre a formação nos Institutos Religiosos”, assim afirma: “Os membros dos
institutos integramente ordenados à contemplação ocupam uma boa parte do seu
tempo cotidiano no estudo da Palavra de Deus e na lectio divina, sob seus quatro aspectos de leitura, meditação,
oração e contemplação. Quaisquer que sejam as palavras empregadas, segundo as
diversas tradições espirituais e o sentido preciso que se lhes dê, cada uma
dessas etapas conserva a sua necessidade e a sua originalidade. A lectio divina se alimenta da Palavra de
Deus, encontra nela o seu ponto de partida e a ela volta” [51].
E completa: “Cada mosteiro cuidará de
criar as condições favoráveis para o estudo e a leitura, com a ajuda de uma boa
biblioteca constantemente atualizada e, eventualmente, de cursos por
correspondência”[52].
Para
a formação de futuros presbíteros
A formação dos membros que se preparam
para receber as Ordens sagradas se rege pelo direito universal e o plano dos
estudos próprio do instituto[53],
cujas linhas mestras figuram no direito canônico. Será suficiente recordar,
para que sejam observadas pelos superiores maiores, algumas etapas da formação[54].
Conclusão
A formação é um direito e um dever de cada instituto, que pode recorrer também à colaboração de pessoas externas, sobretudo do Instituto ao qual, eventualmente, esteja associado. Se for o caso, a superiora de um mosteiro de vida contemplativa poderá permitir fazer os cursos por correspondência que digam respeito às matérias do programa formativo, em conformidade com o direito próprio[55].
Contudo,
sabemos que nem sempre é fácil a aplicação das normas de forma concreta, por
isto, ressalta o papa Francisco: “É verdade que as normas gerais
apresentam um bem que nunca se deve ignorar nem transcurar, mas, na sua
formulação, não podem abarcar absolutamente todas as situações particulares. Ao
mesmo tempo é preciso afirmar que, precisamente por esta razão, aquilo que faz
parte dum discernimento prático duma situação particular não pode ser
elevado... Por pensar que tudo seja branco ou preto, às vezes fechamos o
caminho da graça e do crescimento e desencorajamos percursos de santificação
que dão glória a Deus”[56].
[1] Cf. B. MARRA, Salute, in Lexicon: Dizionario Teologico Enciclopedico, Asti, 1997, p. 917.
[2] Cf. D. J. ANDRÉS GUTIÉRREZ, Le forme di vita consacrata: comentario
teológico-giuridico al Códice di Diritto Canonico, Madrid, 2005, p. 304.
[3] Cf. cân. 220.
[4] Cf. PC 12,14.
[5] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS
RELIGIOSOS E OS INSTITUOS SECULARES, Istruzione “Renovationis causam” sull’aggiornamento
della formazione alla vita religiosa, in
AAS 61 (1969), p. 103-120, n. 4.
[6] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS
INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA. Orientações sobre a formação nos institutos
religiosos, Roma, 1990, n. 42.
[7] Cf. G. FAILDE, Nuevo estúdio sobre trastornos psíquicos y
nulidad del matrimonio, Salamanca, 2003, p. 503.
[8] Cf. J. S. R.
CALVO, Postulato, in Dizionario teológico della vita consacrata,
Milano, 1992, p. 1234.
[9] Cân. 642.
[10] Cf. D. GERALDO, O processo de admissão à vida consagrada,
São Paulo, 2010, p. 120.
[11] Cf. GS 25.
[12] Cf. J-L. BRUGUÈS, Egoismo, in Dizionario di morale cattolica, Bologna, 1994, p. 142-143.
[13] Cf. A. CALABRESE, Istituti di Vita Consacrata e Società di
Vita Apostolica, Città Del Vaticano, 1997, p. 174-175.
[14] Cf. CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO
CATÓLICA, Orientações para a utilização
das competências psicológicas na admissão e na formação dos candidatos ao
sacerdócio, in L’Osservatore Romano 255
(Città del Vaticano, 30 de outubro de 2008), p. 4-5.
[15] Cf. R. PALOMBI, I disturbi di personalità e la loro valutazione
canônica, in L’incapacità di
intendere e di volere nel diritto matrimoniale canonico – can. 1095, nn. 1-2. Città
del Vaticano, 2000, p. 190.
[16] Cf. R. PALOMBI, I disturbi di personalità e la loro
valutazione canonica, in L’incapacità
di intendere e di volere nel Diritto matrimoniale canonico – can. 1095, Città
del Vaticano, 2000, p. 192.
[17] Cf. D. GERALDO, O processo de admissão à vida consagrada,
São Paulo, 2010, p. 130.
[18] Cf. cân. 219.
[19] Cf. cân. 643,4.
[20] Cf. S. JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Pós-sinodal “Pastores dabo vobis”, Roma, 1992, n. 41.
[21] Cf. S.
JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica
Pós-sinodal “Vita Consecrata”, Roma, 1996, n. 7.
[22] Cf. PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A
PASTORAL DA SAÚDE, Nota sulla gionata
mondiale della salute mentale, in L’Osservatore
Romano,38 (Cidade do Vaticano, 11 de outubro de 2005), p. 12.
[23] PC 5.
[24] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS
INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Orientações sobre a formação nos Institutos
Religiosos. Roma, 1990, n. 32.
[25] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS
INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Orientações sobre a formação nos Institutos
Religiosos. Roma, 1990, n. 27.
[26] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS
INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Orientações sobre a formação nos Institutos
Religiosos. Roma, 1990, n. 30.
[27] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS
INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Orientações sobre a formação nos Institutos
Religiosos. Roma, 1990, n. 31.
[28]
Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Decreto
sobre a formação sacerdotal “Optatam totius”. Roma, 1965, n. 5.
[29] Cf. cân. 985.
[30] Cf. VC 66.
[31]
Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE
VIDA APOSTÓLICA, Orientações sobre a
formação nos Institutos Religiosos. Roma, 1990, n. 32).
[32] Cân. 646.
[33] Cân. 652.
[34] Cf. cân. 650,1.
[35] Cf. S.
JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica
Pós-sinodal “Vita Consecrata”, Roma, 1996, n. 65.
[36] Cf.
CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA,
Instrução “Verbi Sponsa”, sobre a vida
Contemplativa e Clausura das monjas. Roma, 1999, n. 23.
[37] Cf.
VS, n. 23.
[38] Cf. S. JOÃO PAULO II, Discurso na audiência Geral, in L’Osservatore Romano 1 (Cidade do
Vaticano, 4 de janeiro de 1995), p. 8.
[39] Cf. CONCÍLIO
ECUMÊNICO VATICANO II, Constituição
Dogmática sobre a revelação divina“Dei Verbum”. Roma, 1965, n. 24.
[40] CONGREGAÇÃO PARA OS
INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Instrução “Verbi Sponsa”, sobre a vida
Contemplativa e Clausura das monjas. Roma, 1999, n. 24.
[41] Cf.
cân. 586, § 1.
[42] Cân. 659.
[43]
Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE
VIDA APOSTÓLICA, Orientações sobre a
formação nos Institutos Religiosos. Roma, 1990, n. 61.
[44] Cf. cân. 660.
[45] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS BISPOS E
CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA
APOSTÓLICA, Documento “Mutuae relationes”. Roma, 1978, n. 26.
[46] Cân. 661.
[47] Cf. S. JUAN PABLO II. Encuentro con los miembros de La
confederación Latino-americana de religiosos, Bogotá, 2 de Julio de 1986,
in <www.w2.vatican.va>. Acesso aos 2 de abril de 1986.
[48] VC 69.
[49] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS BISPOS E
CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA
APOSTÓLICA, Documento “Mutuae relationes”.
Roma, 1978, n. 71.
[50] FRANCISCO, Constituição Apostólica “Vultum Dei Quaerere”, sobre a vida
contemplativa feminina, Roma, 2016, n. 13.
[51] CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS
DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA. Orientações sobre a formação nos institutos religiosos, Roma, 1990,
n. 76.
[52] CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS
DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA. Orientações sobre a formação nos institutos religiosos, Roma, 1990,
n. 84.
[53] Cf. cân. 659.
[54] Cf. câns. 242 a 256.
[55] Cf. VS 24.
[56] FRANCISCO, Exortação Apostólica pós-sinodal sobre o amor na
família “Amoris Laetitia”, Roma,
2016, n. 304-305.
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