Vida Monástica Contemplativa

Vida Monástica Contemplativa
"A Alegria da Consagração Monástica e Contemplativa" (tema)

segunda-feira, 5 de junho de 2017

ALGUNS ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE A FORMAÇÃO NA VIDA RELIGIOSA CONSAGRADA

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
A finalidade primordial da formação é permitir aos candidatos à Vida Religiosa Consagrada (VRC) e aos jovens professos descobrir, em primeiro lugar, em que consiste a identidade do religioso. Somente nessas condições a pessoa consagrada a Deus se inserirá no mundo como uma testemunha significativa, eficaz e fiel.
O Código Direito Canônico tem se dedicado a traduzir em normas mais concretas as exigências requeridas para uma renovação adaptada da formação.
Inicialmente passemos a uma leitura do cân. 642: “Os Superiores, com vigilante cuidado, só admitam aqueles que, além da idade requerida, possuam saúde, índole apropriada e suficientes qualidades de maturidade para abraçar a vida própria do instituto; esta saúde, índole e maturidade sejam comprovadas, se tanto for necessário, por especialistas, sem prejuízo do prescrito no cân. 220”.
A norma obriga, sobretudo aos superiores maiores, a só admitir ao noviciado aqueles que possuem as quatro qualidades pessoais mencionadas:
1). Idade necessária.
2). Saúde.
3). Índole adequada.
4). Suficientes qualidades de maturidade.
Esta norma nos induz a pensar que não se pode aplicar de modo instantâneo, mas que requer um período de tempo razoável e, consequentemente, exige uma certa estrutura de verificação que deve ocorrer ao longo do período de postulantado.
O texto faz uma referência explícita ao superior como uma responsabilidade severa e grave. Trata-se de uma responsabilidade geral de vigilância, da qual não se pode também excluir os demais membros da comunidade.
a). Idade: relacionada com a índole e a maturidade, faz-se necessário que seja de 17 anos completos (cf. cân. 643), sob pena da invalidade da admissão, devido aos compromissos e obrigações do noviciado, o qual conclui com a profissão temporária e a junção com os deveres próprios da vida religiosa.
b). Saúde: é definida pela Organização Mundial de Saúde com os seguintes termos: “A saúde é o estado de pleno bem físico, psíquico e social e não somente a ausência de doenças e enfermidades”
O conceito oferecido pela OMS remete ao conceito de pessoa na sua totalidade e no seu destino. Considerando também a condição biológica, a definição de saúde está em estreita relação com a realização da pessoa humana.  Se o conceito de saúde se limitasse ao aspecto fisiológico, a saúde seria apenas ausência de dor e exuberância de vitalidade.  A definição da organização Mundial de Saúde estabelece a relação entre a saúde e o bem-estar humano[1].
O conceito de saúde coloca como premissa a condição ética.  A saúde é um estilo de vida, é um paradigma que se define na relação que a pessoa estabelece com o trabalho, a habitação, a alimentação, higiene etc.  A promoção da saúde tem sua origem em comportamentos favoráveis ao bem-estar integral do ser humano, evitando o surgimento de patologias.
A saúde espiritual e moral têm conceitos indispensáveis para a compreensão do conceito de saúde física exigida para a admissão à vida consagrada.  A saúde é um dom útil e indispensável para responder ao chamado à santidade e à felicidade em torno do Senhor. Sem a saúde espiritual e moral, não é possível responder ao chamado universal à santidade.
A questão ética da saúde é importante para situar o problema na admissão à VRC.  De fato, a boa saúde para a admissão é um meio para a realização eficaz da própria vocação.
Aspectos a serem observados pelo superior no discernimento acerca da saúde do candidato:
- Se o candidato passou por graves problemas de saúde no passado.
- Como é o seu repouso, seu apetite.
- Se tem tendência de exagerar ou negligenciar o cuidado com o seu corpo.
- Se faz uso de algum remédio.
A razão própria da norma canônica de requerer para o candidato uma boa saúde está em razão da vida em um Instituto de VRC.  A vida consagrada não ausenta a pessoa das dificuldades, principalmente na intensa vida comum e nos compromissos do apostolado. É necessário, para começar o noviciado, uma boa saúde, pois, com o passar do tempo e com a idade, é normal que apareçam enfermidades ou mesmo o cansaço.  Se o candidato começa o seu tempo de noviciado com alguma enfermidade, a tendência é agravar-se[2].
A saúde deve entender-se em suas dimensões biológicas e psíquicas, levando em conta a unidade da pessoa.  Não é tanto o carecer de enfermidades, mas o estado subjetivo e de bem-estar geral e integral da pessoa em sua dimensão física, espiritual, psíquica, social e familiar.
Para a comprovação do bom estado de saúde do candidato, é suficiente uma apresentação do resultado de um exame médico recente.  Este exame médico é uma prática atual e não desmerece em nada o candidato à VRC.  Pelo contrário, é a possibilidade de o encaminhar a um possível tratamento, caso exista alguma enfermidade para o próprio bem-estar do candidato, observando o direito da própria intimidade da pessoa[3].

c). Índole adequada – suficientes qualidades psíquicas

A razão da norma está em função da vida em comunidade que os consagrados são chamados a viver. O Concílio Vaticano II utilizou o termo maturidade com o significado psicológico. O decreto “Perfectae Caritatis” expressa a necessária e “devida maturidade psicológica e afetiva” para emitir as promessas de castidade e “maturidade da pessoa humana” para a prática da obediência religiosa[4].
Atualmente, junto a uma maturidade física antecipada entre os jovens, ocorre uma imaturidade psicológica prolongada.  Considera-se que os jovens estão fisicamente e intelectualmente desenvolvidos, porém, às vezes no comportamento manifestam atitudes que revelam sensível atraso na maturidade psicológica e especialmente afetiva.  Os sinais de imaturidade manifestam-se na instabilidade e na fragilidade, na intolerância às decisões de qualquer autoridade, na insegurança, na insatisfação, no medo da solidão e do silêncio.
Atualmente, o jovem admitido à VRC é aquele que vive neste momento da história.  Daí a necessidade da atenção.  Para o período introdutório de formação, o candidato, tendo adquirido consciência do chamado divino, deve demonstrar um tal grau de maturidade humana e espiritual que permite responder a este chamado com suficiente liberdade de escolha e responsabilidade.  Não pode ser permitido entrar na VRC sem que tal escolha seja feita livremente. A maior parte das dificuldades encontradas na formação dos noviços deriva do fato que, no momento da admissão, não possuem a suficiente maturidade[5].
Certamente não se pede a um candidato à VRC ser capaz de assumir imediatamente todas as obrigações dos religiosos, mas deve ser julgado capaz de assumi-la progressivamente, mediante um tempo adequado.Contudo, só poderá ser admitido ao noviciado aquele que possui as suficientes condições ou sinais de maturidade[6].
Para tal maturidade, a vida consagrada requer boa saúde psíquica relativa à natureza de cada instituto religioso, para poder superar as dificuldades, dedicar-se ao trabalho e à vida de oração e para viver a vida fraterna.   Se no início da vida consagrada, o estado de saúde psíquico não permite cumprir os deveres e os empenhos exigidos, não se pode esperar que possa cumprir no futuro.  A probabilidade é que, com o tempo, as enfermidades psíquicas se agravem[7].


Critérios para o conceito de maturidade

É difícil determinar qual seja o mínimo a exigir do candidato, porém, é necessário refletir sobre o problema e não admitir pessoas que não estão em condições de viver em comunidade e nem de aceitar com boa disposição as exigências da VRC[8].
O código de direito canônico requer do candidato à admissão ao período introdutório somente “suficientes qualidades de maturidade” [9].  Não é possível exigir de um jovem aquilo que é próprio da idade adulta.  O candidato deve ter suficientes qualidades de maturidade verificáveis em suas características principais: aceitação da realidade, assimilação da autoridade, objetividade, capacidade de ser responsável, controle da ansiedade, capacidade de aceitar e suportar sem traumas as frustrações da vida, profundo sentimento de benevolência, cordial relacionamento com o próximo, coerência entre os princípios morais e a vivência destes princípios[10].
Para determinar tal maturidade psicológica, é aconselhável considerar a origem familiar do candidato e a interação com o meio social, particularmente a escola e a paróquia que ele freqüentou. 

As motivações para o ingresso na VRC

Diante de uma determinada escolha vocacional, coloca-se a pergunta sobre a autenticidade do chamado de Deus.  Para responder a esta pergunta, é necessário examinar a qualidade das motivações.  A motivação é autêntica quando a pessoa tem conhecimento dos verdadeiros motivos da escolha, da aceitação e da aprovação do estado de vida como consagrado.
As motivações insuficientes têm o egoísmo como base referencial e estão relacionadas às vantagens pessoais de caráter material que a VRC poderá trazer à pessoa.  O egoísmo não é somente uma forma individual de postura de vida, sendo este tipo de egoísmo o causador de opressões e guerras[11].
Com o egoísmo, a pessoa exprime uma preocupação excessiva por si, pelos próprios interesses e pelos próprios desejos.  É contrário à generosidade para com o próximo e para com Deus. Frequentemente sente inveja de outras pessoas ou acredita ser alvo da inveja alheia e tem comportamento e atitude arrogante e insolente[12].
Ao discernir o grau de maturidade do candidato ao período introdutório, deve ser verificada a sua capacidade de doar-se ao próximo e o seu espírito de serviço no relacionamento comunitário.  A forte atitude de indisponibilidade ao servir pode revelar o Transtorno da Personalidade Narcisista, que se caracteriza por um sentimento de grandiosidade em fantasia ou comportamento, necessidade de admiração e falta de empatia, que começa no início da idade adulta.  A pessoa que age com tais motivações, ao invés de empenhar-se a serviço da Igreja, na verdade, quer usufruir-se daquilo que a Igreja lhe pode oferecer.  São motivações utilitaristas.  São insuficientes para constituir a base da escolha vocacional religiosa
Um candidato à VRC que tem este perfil demonstra uma incorreta compreensão da vida dedicada totalmente a Deus e aos irmãos.  O objetivo da VRC é a busca da perfeição por meio dos conselhos evangélicos ou das outras obrigações próprias e conexas à profissão religiosa, que não deixa de ser um contrato entre o instituto de vida consagrada e o religioso que professou, em virtude da justiça e da fidelidade.  Não são aceitáveis motivações puramente terrenas ou materiais para a vida de consagração, sem empenho no campo da fé e da espiritualidade, buscando apenas honras e dignidades[13].
Por isto, com motivações inadequadas, é possível que, no futuro, o candidato apresente uma inevitável crise e grandes dificuldades para equilibrar-se diante dos conflitos internos.


Motivações válidas e suficientes

A razão da escolha à VRC está no fato de ser uma entrega total a Deus, com a decisão de seguir o Cristo, de acordo com a forma de vida estabelecida pelo direito próprio, ou seja, pelas Constituições. Os diversos desejos exprimem a vontade profunda de pertencer totalmente a Deus.  Tal motivação orienta a pessoa na sua totalidade a Deus e ao próximo.  Somente esta é a motivação autêntica e válida para consagrar-se por toda a vida em um instituto de vida consagrada.  Com tais motivações, a pessoa terá condições de encontrar soluções adequadas e ponderadas para as dificuldades que a vida irá apresentar.

A maturação das motivações

No início da escolha vocacional, junto aos motivos religiosos de entrega a Deus e ao próximo, podem ocorrer traços egocêntricos.  Contudo, importa que a motivação autêntica esteja presente, ao menos em forma embrionária. Quanto mais a motivação é madura e integrada, tanto mais a escolha vocacional religiosa será sadia, bem fundamentada e consciente.
A Igreja exige a reta intenção dos candidatos à VRC, isto é, aquela disposição interior verdadeira que exprime a sincera motivação, autenticidade, confiança na graça sobrenatural, fundamentada sobre um conhecimento lúcido do ideal de consagração e para onde deseja orientar-se.  Por isso, a motivação madura para a admissão consiste na conformidade da vontade deliberada de forma consciente segundo a natureza e a finalidade da vida consagrada.  Tal motivação deve estar amadurecida adequadamente ou que esteja ao menos em estado latente com possibilidade de se desenvolver.
Portanto, no período de imaturidade é desaconselhável tomar decisões importantes, pois o pedido de admissão ao período introdutório, ou seja, o noviciado requer a devida maturidade e a capacidade de escolher livremente o próprio estado de vida.  O mestre de noviços deve trabalhar com os postulantes e os noviços para que eles possam adquirir a necessária maturidade, a fim de realizarem uma escolha vocacional como a Igreja espera, considerando a idade e a história de cada um.

Enfermidades psíquicas que prejudicam a liberdade interna

Sobre a presença de enfermidades psíquicas no candidato à VRC, o auxílio de especialistas em ciências psicológicas pode ser conveniente, sobretudo ao nível do diagnóstico.  No caso de se constatar a necessidade de uma terapia, deve ser realizada antes da admissão ao noviciado[14].
Algumas enfermidades psíquicas podem impossibilitar a admissão à vida consagrada, porque comprometem decisivamente a liberdade interna.  Essas enfermidades psíquicas normalmente são divididas em três grupos:
a). Psicose – esquizofrenia, psicose maníaco depressivo, paranóia;
b) Neuroses – neurose de angústia, de fobia e neurose obsessivo-compulsivo e neurose histérica;
c) Distúrbio de personalidade – melancolia e fanatismos.

1). Psicose

É uma verdadeira doença mental, com total desequilíbrio dos aspectos funcionais da pessoa e uma transformação qualitativa da sua personalidade.  Os sinais desta doença são:

a) Tendência a fechar-se em si;
b) mudança brusca no comportamento;
c) perda de memória;
d) sentimentos de culpa e depressão, que podem resultar em um aumento da agressividade.
Existem três tipos de psicose:

a). Esquizofrenia

É uma separação mental entre a pessoa e o mundo exterior.  O indivíduo não é capaz de desenvolver conceitos e chegar à conclusão de forma crítica.  No emocional, manifesta uma afetividade com excessos de lágrimas e risos descontrolados e injustificados, sinais claros de uma vida emocional desorganizada, incapaz de estabelecer relacionamentos próximos de amizade.  Alguns desses sintomas não aparecem todos de uma só vez, mas lentamente e gradualmente.  A esquizofrenia é realmente uma perturbação, incapacitando a livre escolha vocacional[15].

b). Paranóia

A pessoa torna-se extremamente impermeável à crítica ou influências externas. Temos dois tipos.  A primeira caracteriza-se pelo exagero, pelo orgulho e pelo sentimento de grandeza.  Tende à desconfiança e ao ressentimento em respeito de outras pessoas que não apreciam o seu valor. 
O segundo tipo é um delírio sistemático com tendência crônica de ciúme e perseguição.  Segundo a doutrina e a jurisprudência, a paranóia não tem intervalos lúcidos e, por isso, a pessoa é incapaz de expressar uma escolha livre vocacional.

c). Psicose maníaco-depressiva

Trata-se de distúrbio emocional com uma tendência persistente, normalmente de origem e com influências hereditárias.  É um estado patológico de sentimento, de tristeza vital injustificado que se expressa com uma sensação de opressão e vazio interior.  A jurisprudência, com certas reservas, considera que o maníaco depressivo é desprovido da necessária discrição de juízo durante o período de crise.  A escolha vocacional exige saúde psíquica permanente, por isto, o candidato à VRC que traz este perfil não está em condições de ser admitido.

2. Neurose

A neurose é uma alteração do sistema nervoso central, que se origina a partir de um conflito com o meio ambiente e com os objetivos que se deseja alcançar.  Daí as reações de imaturidade, impulsividade e irritabilidade, devido à incapacidade de resolver os conflitos.  Existe influência de fatores sociais e ambientais, especialmente a família e as motivações internas.  Podemos distinguir os principais tipos de neurose:

a). Neurose de angústia

Consiste em um estado de intensa angústia.  A pessoa tem uma tendência à insegurança e, constantemente procura proteção.  Todas as circunstâncias da vida tornam-se uma ocasião de ansiedade e preocupação, entrando facilmente em crise.

b). Neurose obsessiva-compulsiva

É o tipo de neurose que lesa profundamente a liberdade interna. A pessoa tem uma ideia obsessiva que interfere significativamente nas atividades do cotidiano. Neste caso, o indivíduo se obriga a realizar um comportamento, mesmo considerado absurdo e prejudicial. As características são: preocupação com a ordem e a ideia de perfeição[16].

c). Neurose histérica

Caracteriza-se pelo fato de que o conflito interno converte-se numa disfunção orgânica sensitivo-motora, exigindo receber atenção, carinho e consolação. O desejo de aparecer perante o outro é corretamente identificado na sua acepção de vaidade, mas a pessoa sente a necessidade de preencher uma vida desprovida de genuíno significado.
A doutrina e a jurisprudência reconhecem que as neuroses podem impedir a discrição de juízo. Sobre a admissão ao período introdutório, isto é, o noviciado, será difícil para a pessoa integrar-se numa vida de comunidade, tendo em vista as exigências da VRC Contudo, o superior poderá pedir um exame psíquico, antes de realizar a admissão[17].

d). Os distúrbios de personalidade

A terminologia “distúrbio de personalidade” é de origem relativamente recente, inclui uma série de distúrbios sobre o caráter de um indivíduo, sua personalidade e sua relação com o ambiente social. Manifesta um comportamento imprevisível, irritabilidade, impulsividade extrema, exaltação do afeto. O agir é marcado pelo instinto do momento, faltando o senso da responsabilidade para os seus atos. Os tipos são: 1) o melancólico, sempre mal-humorado, deprimido, incapaz de verdadeira alegria e com visão pessimista da vida. 2) O fanático, com uma visão rígida e sem propensão ao diálogo.
A característica essencial do distúrbio de personalidade é um padrão constante de experiência interna e comportamental para atender às expectativas do meio social. A jurisprudência reconhece que tais pessoas são imaturas, em maior ou menor grau. Para a VRC, as características de melancolia e fanatismo, mesmo religioso, impossibilitam o desenvolvimento harmonioso e constante da pessoa.
Portanto, a fronteira entre a normalidade e a anormalidade não é fácil. Alguns comportamentos, que por vezes parecem sadios na realidade, não são. A falta de liberdade interna refere-se a condicionamentos que interferem decisivamente na capacidade de escolha da pessoa. Geralmente, tais condicionamentos são de origem patológica: psicose, neurose, distúrbios de personalidade. Pode resultar também de circunstâncias ocasionais, tais como: pessoais, familiares, ambientais, sociais etc, que afetam um indivíduo psiquicamente frágil. Portanto, para a admissão ao noviciado, o candidato deve ser internamente capaz de escolher e deliberar sobre sua vocação, com um suficiente grau de liberdade proporcional à escolha vocacional.

Capacidade de escolha

É necessário que o candidato à VRC tenha condições de fazer uma escolha livre e consciente. A escolha pela VRC qualifica a pessoa no plano eclesial e social, por isso, é uma escolha fundamental para o desenvolvimento e o amadurecimento enquanto ser humano. É importante verificar se o candidato apresenta as condições de autêntica escolha, ao menos em seu nível mínimo:
a) suficiente coerência e realismo diante da opção que está a fazer;
b) conceito suficientemente realista de si mesmo;
c) conhecimento suficiente da VRC;
d) experiência religiosa que esteja integrada com a vida eclesial.
O tempo de preparação à admissão exige a fidelidade e uma certa postura social e eclesial, porque tornou parte de sua identidade aquilo que o juízo escolheu como um bem. Neste sentido, são significativos os sinais que o candidato emite em relação às promessas da consagração. A escolha pela VRC traz para o presente aquilo que no futuro se espera. O candidato à admissão em um Instituto de VRC não tem a obrigação de viver as promessas como um consagrado, mas deve manifestar uma certa semelhança no estilo de vida, como exteriorização da decisão interna de dedicar-se a Deus e aos irmãos.
O grau de liberdade requerido para que o ato seja válido e lícito é que o candidato tenha a devida liberdade para assumir a vida consagrada, dom gratuito de Deus, respondido livremente. É necessário responder também aos deveres anexos a este novo estado de vida; deveres que devem ser assumidos com plena liberdade. Esta escolha livre é uma concretização canônica do direito fundamental de todo fiel e deve estar imune de qualquer coação na escolha do estado de vida[18].
Por isso, a fim de proteger essa liberdade, a lei proíbe terminantemente e de modo absoluto, de qualquer modo e por qualquer motivo, que alguém seja induzido a entrar na VRC por violência, medo, grave ou dolo[19].


O equilíbrio psicológico

A saúde não é somente expressão de uma plena normalidade no funcionamento do organismo, mas é também um equilíbrio que está junto com a complexa faculdade psicológica, existencialmente orientada para o fim próprio do ser humano.  Este fim próprio, onde se encontra o equilíbrio psicológico, é a capacidade de amar, que se manifesta no modo de viver e agir.
A pessoa imatura para a admissão não poderá integrar-se adequadamente ao funcionamento e as exigências da VRC na própria personalidade, de modo unitário e positivo; não suportará o devido grau requerido de emancipação da família; não suportará a vida em comum, não assimilará os princípios e as decisões da autoridade constituída, dificilmente entenderá e praticará a castidade, não terá entusiasmo com a espiritualidade e com a sua multiplicidade de práticas cotidianas, não aceitará o desapego dos bens temporais, ou seja, não está madura para viver a consagração.
Uma pessoa madura é empenhada a seguir a vocação cristã e a realizar na própria vida os valores correspondentes a esta vocação que vem de Deus, mas se concretiza na existência quotidiana. Tal realização são escolhas importantes para a pessoa. A pessoa madura não faz a escolha vocacional pensando em resolver seus conflitos pessoais, mas deseja colocar em prática um apelo interior. Em síntese, é possível o crescimento na maturidade afetiva quando o coração adere inteiramente a Deus. Para que isto aconteça, é necessário haver honestidade consigo mesmo, abertura ao diretor espiritual e confiança na divina misericórdia.
O código de direito canônico considerou as consequências de uma boa e uma má saúde, seja física, seja psíquica, para a vida individual e social da pessoa na consagração religiosa. Considerou também a influência do equilíbrio psicológico sobre a capacidade de adaptar-se ao ambiente, sobre o desenvolvimento organizado e integrado da personalidade, sobre a maturidade, sobre a vida comunitária, sobre o desenvolvimento do apostolado, sobre o desenvolvimento da pessoa numa determinada comunidade religiosa com as características e as exigências especificas para os seus membros. Por isso, exige-se do candidato ao noviciado o devido equilíbrio psicológico, como expressão de saúde física e psíquica, e com certas garantias de estabilidade.

A influência da família no equilíbrio psicológico

Os Transtornos Mentais e de Comportamento são uma série de distúrbios definidos pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Correlatos de Saúde. Embora os sintomas manifestem em considerável variação, tais transtornos geralmente se caracterizam por uma combinação de ideias, emoções, comportamentos e relacionamentos com outras pessoas. A evidência científica moderna indica que os Transtornos Mentais e Comportamentais resultam de fatores genéticos e ambientais.
O cuidado atento e estável praticado com amor à criança desenvolve com normalidade as funções, como a linguagem, o intelecto e o equilíbrio emocional. A criança privada de afeto por parte de seus responsáveis tem mais probabilidades de manifestar Transtornos Mentais e Comportamentais, seja durante a infância, seja numa fase posterior da vida.
Neste sentido, a Exortação Apostólica pós-sinodal “Pastores dabo vobis” lembra a responsabilidade de uma família cristã que, em virtude do sacramento do matrimônio, participa na missão educativa da Igreja, Mãe e Mestra[20].
Também Exortação Apostólica “Vita Consecrata” recorda que, “se os pais não vivem os valores evangélicos, dificilmente o jovem e a jovem poderão perceber o chamado, compreender a necessidade dos sacrifícios a enfrentar, apreciar a beleza da meta a atingir. De fato, é na família que os jovens fazem as primeiras experiências dos valores evangélicos, do amor que se dá a Deus e aos outros”[21]
A ausência da família é prejudicial, mas não pode ser determinante. O afeto recebido na infância, vindo dos pais ou dos responsáveis, é o determinante na constituição de uma nova família. Este aspecto o Superior deverá constatar na origem da vocação do candidato.
Por isso, no processo de admissão, é imprescindível o contato do Promotor Vocacional com a família do candidato, pois o conhecimento da família ajudará o superior a realizar o discernimento para chegar à certeza moral da vocação e da idoneidade do candidato.


Influência do meio ambiente no equilíbrio psicológico

O Pontifício Conselho para a Saúde publicou uma nota utilizando os dados da Organização Mundial da Saúde, relacionando a saúde mental com a pobreza material, demonstrando que a origem das enfermidades mentais é antes de tudo social. As dificuldades e traumas provenientes da miséria, das condições não favoráveis e do impedimento ao acesso à cultura são causas intrínsecas de enfermidade mental[22].
Contudo, a criança, em qualquer situação ou circunstância em que se encontra, deve ser amada, acolhida, protegida e educada, tanto maior quanto mais duras e pesadas forem as suas limitações e dificuldades. O primeiro ambiente da criança é sempre a família.
Neste sentido, juntamente com a família, a criança recebe uma profunda influência dos demais ambientes em sua formação psíquica, dentre eles, podem-se destacar: a instituição escolar e a comunidade paroquial. Para que o candidato seja admitido à VRC é imprescindível que tenha ele participado e vivido harmoniosamente na instituição escolar e na comunidade eclesial.
O Decreto “Perfectae caritatis” sobre a renovação adaptada da vida religiosa recorda as raízes batismais da consagração religiosa[23] e, desta maneira, implicitamente, leva a não admitir no noviciado a não ser os candidatos que já vivem de uma maneira adaptada à sua idade, todos os compromissos do seu batismo. Igualmente, uma boa formação à vida religiosa deverá confirmar a profissão de fé e os compromissos do batismo em todas as etapas da vida e, especialmente, nos períodos mais difíceis, nos quais a pessoa se sente chamada a optar de novo, livremente, por aquilo que já havia escolhido uma vez por todas[24].

A comunidade como formadora

Uma comunidade é formadora na medida em que permite cada um dos seus membros crescer na fidelidade ao Senhor. Para isso, a comunidade se constrói cada dia sob a ação do Espírito Santo, deixando-se julgar e converter pela palavra de Deus, purificar pela penitência, construir pela Eucaristia quotidiana e se vivificar pela celebração do ano litúrgico. Ela faz crescer sua comunhão pela ajuda generosa e pelo intercâmbio contínuo de bens materiais e espirituais, em espírito de pobreza e graças à amizade e ao diálogo[25].
 Os que estão na fase de formação devem poder encontrar no seio da comunidade uma atmosfera espiritual, uma austeridade de vida e um estímulo capazes de impulsioná-los a seguir mais vivamente o Cristo em conformidade com o direito próprio.

O formador ou mestre de noviços

O papel do formador é o de discernir a autenticidade do chamamento à VRC na fase inicial da formação e ajudar os postulantes e os noviços a orientar o seu diálogo pessoal com Deus e, ao mesmo tempo, descobrir os caminhos pelos quais parece que Deus quer fazê-los avançar. Cabe também aos formadores acompanhá-los nos caminhos do Senhor, por meio de um diálogo regular, respeitando o que é de competência do confessor e do diretor espiritual. Uma das tarefas principais dos responsáveis pela formação é ainda a de cuidar que os noviços e jovens professos sejam efetivamente orientados por um diretor espiritual[26]

Qualidades requeridas para o formador

Além de um conhecimento suficiente da doutrina católica sobre a fé e os costumes, revela-se evidente a exigência de qualidades para aqueles que assumem responsabilidades de formação:
1 - capacidade humana de intuição e de acolhimento;
2 - experiência madura de Deus e testemunho de vida;
3 - sabedoria que deriva da escuta atenta e prolongada da Palavra de Deus;
4 - amor à liturgia e compreensão do seu papel na educação espiritual e eclesial;
5 - necessária competência cultural;
6 - disponibilidade de tempo e de boa vontade para consagrar-se ao cuidado pessoal de todos os candidatos e não somente do grupo que está em formação sob a sua responsabilidade[27].
Para o formador, requer, portanto, serenidade interior, disponibilidade, paciência, compreensão e um verdadeiro afeto para com aqueles que foram confiados à sua responsabilidade (cf. cân. 651 § 3).
Existindo uma equipe formadora, os seus membros devem atuar de comum acordo, vivamente conscientes da responsabilidade comum, sob a direção do superior.  Esta equipe deve estar em estreita comunhão de espírito e de ação e formem, entre eles e com aqueles que haverão de formar, uma família unida[28].  Deve-se ressaltar que o superior, o mestre de noviços e o seu assistente, nos institutos clericais, não podem ouvir as confissões sacramentais dos noviços, a não ser que eles o peçam espontaneamente em casos particulares[29].
Perante tarefas tão delicadas, resulta verdadeiramente importante a preparação de formadores idôneos, que, no seu serviço, assegurem uma grande sintonia com o magistério da Igreja. Será oportuno criar estruturas adequadas para a preparação dos formadores. Nesta obra de formação, os Institutos que já se encontrem melhor radicados deem uma mão aos Institutos de fundação mais recente, graças à ajuda de alguns dos seus melhores membros[30].  Os superiores devem designar um ou vários religiosos providos da qualificação necessária para o acompanhamento dos candidatos e para o discernimento da sua vocação. Eles colaborarão ativamente com o mestre de noviços[31].

A finalidade do noviciado

O código de direito canônico apresenta a finalidade do noviciado com as seguintes palavras: “O noviciado, com o qual se começa a vida no instituto, destina-se a que os noviços conheçam melhor a vocação divina, a vocação própria do instituto, façam experiência do modo de viver do instituto, conformem com o espírito dele a mente e a coração e comprovem sua intenção e idoneidade” [32].
O código de direito canônico ainda ressalta:  “Os noviços sejam levados a cultivar as virtudes humanas e cristãs; sejam introduzidos no caminho mais intenso da perfeição e pela renúncia de si mesmos; sejam instruídos para contemplar o mistério da salvação e para ler e meditar as sagradas Escrituras; sejam preparados para prestar o culto divino na sagrada liturgia; aprendam a levar em Cristo uma vida consagrada a Deus e aos homens, mediante os conselhos evangélicos; sejam informados sobre a índole e o espírito do instituto, sua finalidade e sua disciplina, sua história e sua vida; sejam imbuídos de amor à Igreja e aos seus sagrados Pastores”[33].
Como se deduz dessa lei geral, a iniciação integral que caracteriza o noviciado vai muito mais além de um simples ensino. Ela é:
- um período de iniciação ao conhecimento profundo e vivo de Cristo. Isso supõe um estudo meditado da Escritura, a celebração da liturgia, uma iniciação à oração pessoal e à sua prática, bem como ao costume e ao gosto de aproximar-se dos grandes autores da tradição espiritual da Igreja;
- uma iniciação a entrar no mistério pascal de Cristo através do desprendimento de si mesmo, especialmente na prática dos conselhos evangélicos;
- uma iniciação à vida fraterna evangélica. Efetivamente, na comunidade a fé se aprofunda e se faz comunhão e a caridade encontra suas múltiplas manifestações no concreto da vida cotidiana;
- história, missão e espiritualidade.
Este programa da formação do noviciado deve ser definido pelo direito próprio[34]
A formação deverá, pois, atingir em profundidade a própria pessoa, de tal modo que cada uma das suas atitudes ou gestos, tanto nos momentos importantes, como nas circunstâncias ordinárias da vida, possa revelar a sua pertença total e feliz a Deus. Uma vez que o objetivo da VRC consiste na configuração com o Senhor Jesus e com a sua oblação total, para isso, sobretudo, é que deve apontar a formação. Trata-se de um itinerário de progressiva assimilação dos sentimentos de Cristo para com o Pai[35].
A Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, falando sobre a formação das monjas, o Documento “Verbi Sponsa” assinala: “Assume particular importância o programa de formação, inspirado no carisma específico, que deve compreender, de modo bem distinto, os anos iniciais até a profissão solene ou perpétua e os sucessivos que devem garantir a perseverança na fidelidade por toda a vida. Para isso, as comunidades claustrais tenham uma adequada “ratio formationis”, que fará parte do direito próprio, depois de ser submetida à Santa Sé, após o voto deliberativo do Capítulo conventual[36].
        A instrução “Verbi Sponsa”, da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, lembra também que o contexto cultural do nosso tempo exige dos institutos de vida contemplativa um nível adequado de preparação às exigências deste estado de vida consagrada. Por isso, os mosteiros devem exigir que as candidatas possuam, antes da admissão ao noviciado, aquele grau de maturidade afetiva, humana e espiritual que as tornem idôneas a seguirem com fidelidade e compreenderem a natureza da vida inteiramente ordenada à contemplação em clausura[37].
As obrigações próprias da vida claustral devem ser bem conhecidas e aceitas pelas candidatas ao longo do primeiro período da formação e, em todo caso, antes da emissão dos votos solenes ou perpétuos (cf. VS, n. 23).  Por isto, diz São João Paulo II: “Os contemplativos situam-se num estado de oblação pessoal tão elevado que requer uma vocação especial, que deve ser verificada antes da admissão ou da profissão definitiva”[38].
O estudo da Palavra de Deus, da tradição dos Padres, dos documentos do Magistério, da liturgia e da teologia, deve constituir a base doutrinal da formação, visando oferecer os fundamentos do conhecimento do mistério de Deus contidos na Revelação cristã, investigando, à luz da fé, toda a verdade contida no mistério de Cristo[39].
A norma geral é que todo o ciclo da formação inicial e permanente se realize dentro do mosteiro, onde a monja cresce e amadurece na vida espiritual, alcançando a graça da contemplação. A formação no próprio mosteiro tem também a vantagem de favorecer a harmonia de toda a comunidade. O mosteiro, inclusive, com o seu ambiente e ritmo de vida característico, é o lugar mais conveniente para realizar o caminho de formação, já que o alimento quotidiano da Eucaristia, a liturgia, a lectio divina, a devoção mariana, a ascese e o trabalho, o exercício da caridade fraterna e a experiência da solidão e do silêncio constituem momentos e fatores essenciais da formação para a vida contemplativa[40]
    Cada mosteiro deve ser efetivamente o artífice da própria vitalidade e do seu futuro; deve ser um lugar de fervoroso progresso e crescimento espiritual. A Igreja reconhece a cada mosteiro “sui iuris” uma justa autonomia jurídica de vida e de governo, para que possa usufruir de uma disciplina própria, capaz de conservar íntegro o próprio patrimônio[41].




A formação dos professores temporários

O código de direito canônico ainda preceitua: “O direito próprio deve definir as diretrizes dessa formação e sua duração, levando em conta as necessidades da Igreja e as condições dos homens e dos tempos, conforme o exigem a finalidade e a índole do instituto”[42].
Os superiores designarão especialmente um responsável da formação dos professos temporários, que prolongue neste nível e de modo especifico a missão do mestre de noviços. Essa formação durará pelo menos 3 anos.  No programa de estudos devem os responsáveis figurar em lugar importante a teologia bíblica, dogmática, espiritual e pastoral, e, em particular, o aprofundamento doutrinal da VRC.  Os religiosos devem ter consciência de que aprendem uma só ciência: a ciência da fé e do Evangelho[43]
Os jovens professos podem ser enviados a estudos pelo seu superior[44].  Estes estudos serão empreendidos para atender às exigências apostólicas da família religiosa, em harmonia com as necessidades da Igreja[45]
O desenvolvimento desses estudos e a preparação dos diplomas hão de estar, a juízo dos superiores maiores e responsáveis da formação, convenientemente harmonizados com o do programa previsto para esta etapa da formação.

A formação permanente para os professos perpétuos

Sobre a formação permanente, o Código de Direito Canônico traz as seguintes orientações: “Os religiosos continuarão diligentemente a sua formação espiritual, doutrinal e prática durante toda a vida; os superiores hão de proporcionar-lhes meios e tempo necessário para isso”[46].
Cada instituto religioso tem, pois, a tarefa de projetar e de realizar um programa de formação permanente adequado para todos os seus membros. Um programa que tende não somente à formação da inteligência, mas também de toda a pessoa, principalmente na sua missão espiritual, para que o religioso possa viver em toda a sua plenitude a sua própria consagração a Deus, na missão específica que a Igreja lhe confiou[47].
S. João Paulo II também sublinha: “A formação permanente, tanto para os Institutos de vida apostólica, como para os de vida contemplativa, constitui uma exigência intrínseca à consagração religiosa. Como se disse, o processo de formação não se reduz à sua fase inicial, visto que a pessoa consagrada, pelas suas limitações humanas, não poderá mais pensar ter completado a gestação daquele homem novo que experimenta dentro de si, em cada circunstância da vida, os mesmos sentimentos de Cristo. A formação inicial deve, portanto, consolidar-se com a formação permanente, criando no sujeito a disponibilidade para se deixar formar em cada dia da sua vida” [48].
A formação contínua é processo global de renovação que abarca todos os aspectos da pessoa do religioso e o conjunto da própria vida consagrada. Para esta formação, são dignos de serem considerados os seguintes aspectos:
- a vida espiritual: esta deve ter a primazia, porque inclui o aprofundamento na fé e no sentido da profissão religiosa. Devem-se privilegiar os exercícios espirituais anuais e os tempos de reanimação espiritual;
- a “reciclagem” doutrinal e profissional, que inclui o aprofundamento bíblico e teológico, o estudo dos documentos do magistério da igreja e instituto;
- após alguns anos de profissão perpétua, quando se apresenta o risco de uma vida “rotineira” e a perda de todo entusiasmo, a formação permanente pode trazer um novo vigor;
- momentos de desânimo podem ocorrer em qualquer idade sob a influência de fatores externos: mudança de trabalho, fracasso, incompreensão, sentimento de marginalização; ou de fatores mais diretamente pessoais: doença, física ou psíquica, aridez espiritual, fortes tentações, crises de fé ou afetivas. Nessas circunstâncias a formação permanente e o auxílio do superior devem ajudar o religioso a superar positivamente estes momentos;
Os superiores designarão uma pessoa responsável pela formação permanente no instituto. Mas também se velará para que os consagrados, ao longo da sua vida, possam dispor de conselheiros espirituais, segundo as pedagogias já colocadas em prática durante a formação inicial e segundo as modalidades adaptadas à maturidade adquirida e às circunstâncias que atravessam[49].
A formação, sobretudo a permanente, que é uma exigência intrínseca à consagração religiosa, tem o seu húmus na comunidade e na vida diária. Por este motivo, o lugar ordinário onde tem lugar o percurso formativo é o mosteiro e que a vida fraterna em comunidade deve, em todas as suas manifestações, favorecer tal percurso[50].

Lectio Divina

A Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de vida Apostólica, em seu documento “Orientações sobre a formação nos Institutos Religiosos”, assim afirma: “Os membros dos institutos integramente ordenados à contemplação ocupam uma boa parte do seu tempo cotidiano no estudo da Palavra de Deus e na lectio divina, sob seus quatro aspectos de leitura, meditação, oração e contemplação. Quaisquer que sejam as palavras empregadas, segundo as diversas tradições espirituais e o sentido preciso que se lhes dê, cada uma dessas etapas conserva a sua necessidade e a sua originalidade. A lectio divina se alimenta da Palavra de Deus, encontra nela o seu ponto de partida e a ela volta” [51]. E completa:  “Cada mosteiro cuidará de criar as condições favoráveis para o estudo e a leitura, com a ajuda de uma boa biblioteca constantemente atualizada e, eventualmente, de cursos por correspondência”[52].

Para a formação de futuros presbíteros

A formação dos membros que se preparam para receber as Ordens sagradas se rege pelo direito universal e o plano dos estudos próprio do instituto[53], cujas linhas mestras figuram no direito canônico. Será suficiente recordar, para que sejam observadas pelos superiores maiores, algumas etapas da formação[54].

Conclusão

A formação é um direito e um dever de cada instituto, que pode recorrer também à colaboração de pessoas externas, sobretudo do Instituto ao qual, eventualmente, esteja associado. Se for o caso, a superiora de um mosteiro de vida contemplativa poderá permitir fazer os cursos por correspondência que digam respeito às matérias do programa formativo, em conformidade com o direito próprio[55].
Contudo, sabemos que nem sempre é fácil a aplicação das normas de forma concreta, por isto, ressalta o papa Francisco: “É verdade que as normas gerais apresentam um bem que nunca se deve ignorar nem transcurar, mas, na sua formulação, não podem abarcar absolutamente todas as situações particulares. Ao mesmo tempo é preciso afirmar que, precisamente por esta razão, aquilo que faz parte dum discernimento prático duma situação particular não pode ser elevado... Por pensar que tudo seja branco ou preto, às vezes fechamos o caminho da graça e do crescimento e desencorajamos percursos de santificação que dão glória a Deus”[56].







[1] Cf. B. MARRA, Salute, in Lexicon: Dizionario Teologico Enciclopedico, Asti, 1997, p. 917.
[2] Cf. D. J. ANDRÉS GUTIÉRREZ, Le forme di vita consacrata: comentario teológico-giuridico al Códice di Diritto Canonico, Madrid, 2005, p. 304.
[3] Cf. cân. 220.
[4] Cf. PC 12,14.
[5] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS RELIGIOSOS E OS INSTITUOS SECULARES, Istruzione “Renovationis causam” sull’aggiornamento della formazione alla  vita religiosa, in AAS 61 (1969), p. 103-120, n. 4.
[6] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA. Orientações sobre a formação nos institutos religiosos, Roma, 1990, n. 42.
[7] Cf. G. FAILDE, Nuevo estúdio sobre trastornos psíquicos y nulidad del matrimonio, Salamanca, 2003, p. 503.
[8] Cf. J. S. R. CALVO, Postulato, in Dizionario teológico della vita consacrata, Milano, 1992, p. 1234.
[9] Cân. 642.
[10] Cf. D. GERALDO, O processo de admissão à vida consagrada, São Paulo, 2010, p. 120.
[11] Cf. GS 25.
[12] Cf. J-L. BRUGUÈS, Egoismo, in Dizionario di morale cattolica, Bologna, 1994, p. 142-143.
[13] Cf. A. CALABRESE, Istituti di Vita Consacrata e Società di Vita Apostolica, Città Del Vaticano, 1997, p. 174-175.
[14] Cf. CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA, Orientações para a utilização das competências psicológicas na admissão e na formação dos candidatos ao sacerdócio, in L’Osservatore Romano 255 (Città del Vaticano, 30 de outubro de 2008), p. 4-5.
[15] Cf. R. PALOMBI, I disturbi di personalità e la loro valutazione canônica, in L’incapacità di intendere e di volere nel diritto matrimoniale canonico – can. 1095, nn. 1-2. Città del Vaticano, 2000, p. 190.
[16] Cf. R. PALOMBI, I disturbi di personalità e la loro valutazione canonica, in L’incapacità di intendere e di volere nel Diritto matrimoniale canonico – can. 1095, Città del Vaticano, 2000, p. 192.
[17] Cf. D. GERALDO, O processo de admissão à vida consagrada, São Paulo, 2010, p. 130.
[18] Cf. cân. 219.
[19] Cf. cân. 643,4.
[20] Cf. S. JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Pós-sinodal Pastores dabo vobis”, Roma, 1992, n. 41.
[21] Cf. S. JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Pós-sinodal “Vita Consecrata”, Roma, 1996, n. 7.
[22] Cf. PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A PASTORAL DA SAÚDE, Nota sulla gionata mondiale della salute mentale, in L’Osservatore Romano,38 (Cidade do Vaticano, 11 de outubro de 2005), p. 12.
[23] PC 5.
[24] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Orientações sobre a formação nos Institutos Religiosos. Roma, 1990, n. 32.
[25] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Orientações sobre a formação nos Institutos Religiosos. Roma, 1990, n. 27.
[26] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Orientações sobre a formação nos Institutos Religiosos. Roma, 1990, n. 30.
[27] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Orientações sobre a formação nos Institutos Religiosos. Roma, 1990, n. 31.
[28]  Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Decreto sobre a formação sacerdotal “Optatam totius”. Roma, 1965, n. 5.
[29] Cf. cân. 985.
[30] Cf. VC 66.
[31]  Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Orientações sobre a formação nos Institutos Religiosos. Roma, 1990, n. 32).
[32] Cân. 646.
[33] Cân. 652.
[34] Cf. cân. 650,1.
[35] Cf. S. JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Pós-sinodal “Vita Consecrata”, Roma, 1996, n. 65.
[36] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Instrução “Verbi Sponsa”, sobre a vida Contemplativa e Clausura das monjas. Roma, 1999, n. 23.
[37] Cf. VS, n. 23.
[38] Cf. S. JOÃO PAULO II, Discurso na audiência Geral, in L’Osservatore Romano 1 (Cidade do Vaticano, 4 de janeiro de 1995), p. 8.
[39] Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Constituição Dogmática sobre a revelação divina“Dei Verbum”. Roma, 1965, n. 24.
[40] CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Instrução “Verbi Sponsa”, sobre a vida Contemplativa e Clausura das monjas. Roma, 1999, n. 24.
[41] Cf. cân. 586, § 1.
[42] Cân. 659.
[43]  Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Orientações sobre a formação nos Institutos Religiosos. Roma, 1990, n. 61.
[44] Cf. cân. 660.
[45] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS BISPOS E CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Documento “Mutuae relationes”. Roma, 1978, n. 26.
[46] Cân. 661.
[47] Cf. S. JUAN PABLO II. Encuentro con los miembros de La confederación Latino-americana de religiosos, Bogotá, 2 de Julio de 1986, in <www.w2.vatican.va>.  Acesso aos 2 de abril de 1986.
[48] VC 69.
[49] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS BISPOS E CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Documento “Mutuae relationes”. Roma, 1978, n. 71.
[50] FRANCISCO, Constituição Apostólica “Vultum Dei Quaerere”, sobre a vida contemplativa feminina, Roma, 2016, n. 13.
[51] CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA. Orientações sobre a formação nos institutos religiosos, Roma, 1990, n. 76.
[52] CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA. Orientações sobre a formação nos institutos religiosos, Roma, 1990, n. 84.
[53] Cf. cân. 659.
[54] Cf. câns. 242 a 256.
[55] Cf. VS 24.
[56] FRANCISCO, Exortação Apostólica pós-sinodal sobre o amor na família Amoris Laetitia”, Roma, 2016, n. 304-305.

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